A audição na velhice tem ligação com a história, arte, música e neurologia.

Historicamente a música apresenta uma característica social e coletiva ímpar. Possivelmente conferiu vantagem evolutiva à espécie humana pela capacidade em agrupar indivíduos, transmitir arte e conhecimento por gerações. Jean-Jacques Rousseau, filósofo e compositor, em seu Ensaio sobre a origem das línguas sugeriu que a fala e o canto não se distinguiam entre os homens primitivos. Darwin acreditava que a música precedeu a comunicação da linguagem falada propositiva.

Existem campos de pesquisa sobre o modo de comunicação dos neandertais, nos quais se invoca a possibilidade de sociabilidade entre os indivíduos naquela época através de melodias e sons tonais. Portanto, infere-se que a música surgiu antes da linguagem estruturada de forma gramatical, falada ou escrita. Outros pesquisadores atribuem a música como subdomínio do campo da linguagem e teria surgido posteriormente. O que sabemos é que está presente de forma onipresente durante o desenvolvimento de nossa história.

Seria a música uma característica intrínseca dos seres humanos? Aparentemente não. Sabemos que outros animais se comunicam através de sons melódicos, sendo as aves a principal e mais desenvolvida classe, ao qual apreciamos seu canto desde os primórdios da humanidade. Seria, portanto, uma característica peculiar dos seres vivos do planeta Terra? Pode ser que sim. Não sabemos.

Uma passagem interessante do livro O Fim da Infância de Arthur Clarke (1953) discorre sobre uma invasão alienígena que, diferentemente do clichê Hollywoodiano, busca ajudar o desenvolvimento da humanidade através do compartilhamento de avançado conhecimento científico, social, econômico e liderança política.

Esses seres, chamados “Senhores Supremos”, participam de uma apresentação musical orquestrada de Stravinsky e ficam intrigados, pois não podem reconhecer a música: “Embora tudo o que se sabia indicasse o contrário, era possível que os Senhores Supremos não tivessem o menor ouvido musical. Aconteceu, porém, que, após o concerto, Thanthalteresco [Senhor Supremo] procurou os três compositores cujas obras haviam sido tocadas e os cumprimentou pelo seu ‘grande engenho’, fazendo com que eles se retirassem com expressões satisfeitas, mas vagamente intrigados.”

O som possui características únicas: é gerado através da vibração de um determinado material, propaga-se no ar através de ondas sonoras, que finalmente serão recebidas pelos órgãos auditivos dos animais que os possuem (ou seus análogos de outras espécies).

Compõe-se, basicamente, de altura (agudo ou grave), intensidade (forte ou fraco) e timbre, uma característica qualitativa individual do instrumento ou animal que o produz. Podem organizar-se em ritmo, melodias e harmonias, formando o que conhecemos como música. Quando composta e executada de forma sublime, apresenta alta complexidade de leitura, entendimento e composição, além de gerar componente emocional no interlocutor. O que diferencia a música do ruído, basicamente, é a regularidade de suas ondas sonoras, que são complemente caóticas no ruído, e, portanto, desagradável ao ouvinte.

A despeito de sabermos que sua origem é muito antiga, possivelmente antes ao surgimento do Homo Sapiens, os primeiros registros escritos datam próximo ao século VIII – período musicalmente datado como “música antiga ou medieval”, o Cantochão, que lembra os sons que escutamos atualmente em determinados momentos nas igrejas e abadias.

O canto gregoriano é um dos tipos mais reconhecidos. Ganhou complexidade e evoluiu através dos séculos em música renascentista, barroca, clássica, romântica e, finalmente, nossa música contemporânea dos séculos XX e XXI. O desenvolvimento humano e social sempre foi atrelado à arte, sendo a música um de seus pilares fundamentais. É constante e universal.

Audição na Velhice: Como o cérebro percebe o som e a música

Quais as regiões e sistemas do sistema nervoso central participam de algo tão magnífico?

Sabemos que no ouvido existe um aparelho “captador e amplificador” dos sons, constituído da orelha externa, do tímpano (uma membrana especializada) e seus pequenos ossículos (martelo, bigorna e estribo), que se conectam a cóclea. Esta é responsável por receber as vibrações sonoras externas, transformá-la em sinais elétricos através de células específicas e especializadas. Tais estímulos serão transportados através do nervo auditivo até a região do troncoencefálico, uma estrutura que conecta o cérebro à medula espinhal e possui uma espécie de estações transmissoras especializadas. Assim, o estímulo pode ser transmitido à uma região específica do cérebro responsável pela recepção dos sons localizada no lobo temporal também chamada de “giros de Heschl”, sendo interpretado pelas estruturas adjacentes.

O órgão de Cortifoi descoberto no século XVIII por um italiano homônimo, é uma estrutura chave na recepção dos sons, pois possui capacidade de amplificação, localização espacial e organização tonotópica, isto é, diferentes regiões são capazes de captar alturas diferentes do som. Por exemplo, sua estrutura é em formato de cone, onde a base recebe principalmente os sons mais agudos e no ápice os mais graves. Em relação à origem espacial do estímulo sonoro, existe uma percepção tridimensional do som, desse modo sabemos a localização de uma determinada fonte sonora de olhos fechados ou em um ambiente escurecido.

O que acontece com a nossa audição na velhice?

Certamente isso gerou vantagens adaptativas e evolutivas aos animais. Do ponto de vista das estruturas corticais, observa-se lateralidade. O hemisfério direito possui capacidade em relação à identificação de diferentes tipos de tons, enquanto o esquerdo percebe ritmos. Em média, somos capazes de identificar sons de 20 até 20 mil Hertz, sendo a faixa mais aguda acometida pela nossa audição na velhice, que diferencia  1.400 tipos de tons. Ler o artigo Distúrbios Auditivos e Musicais!

Sobre o autor:

Raphael Spera
+ artigos

Possui graduação em medicina pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e residência médica em Neurologia pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP). Especialização em Neurologia Cognitiva e do Comportamento pela mesma instituição.
Atualmente é médico-assistente da Divisão de Clínica Neurológica do Hospital das Clínicas da FMUSP. Membro do Grupo de Neurologia Cognitiva e do Comportamento (GNCC) do HC-FMUSP.
Membro titular da Academia Brasileira de Neurologia (ABN) e membro da Academia Americana de Neurologia (AAN) desde 2018.

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