Infarto do coração em idosos – os sintomas são sempre os mesmos?
Mais um dia na rotina pesada de um Pronto Socorro. Dra. Clara, trabalhando mais de 10 anos naquele serviço, recebe um novo paciente, agora com uma queixa que não é clássica de nenhum quadro típico. O Sr. Benedicto, já com seus 81 anos, conta que acordou com uma sensação de estômago pesado e empachamento, que tem certeza de que foi devido ao almoço na casa do filho no dia anterior, em que tomou umas cervejas a mais. Durante a tarde passou bem, à noite fez um lanche leve com sua esposa já em sua casa, mas acordou desse jeito. Tomou um medicamento para gases, tentou provocar o vômito, mas nada! Aliás, depois dessa tentativa, acha que até ficou pior e teve uma crise de sudorese. Dona Maria, sua esposa, insistiu para que fosse ao PS, mas ele acha que precisa de um antiácido apenas. Dra. Clara perguntou e Sr. Benedicto comentou que achava os remédios para o colesterol e o diabetes que tomava estavam um pouco fortes. Afinal, o estômago estava mais sensível desde que havia sido ajustada sua prescrição na última visita ao seu médico.
O profissional que tem experiência em emergência sabe: nem tudo que parece, realmente é! Dra. Clara, já imaginando que o Sr. Benedicto poderia ter algo diferente do que ele acreditava, abriu uma linha de investigação mais ampla e o eletrocardiograma – o paciente não entendeu por que fazer este exame – que ela pediu evidenciou o que ele não esperava: estava sofrendo de um infarto do miocárdio!
Mas, afinal, isso é muito frequente?
Infelizmente isso é realmente frequente. Como se sabe, o sintoma clássico de infarto agudo do miocárdio é a dor no peito, tipo aperto ou opressão, que pode se irradiar para os braços, a mandíbula ou a “boca do estômago”. Palidez, sudorese, falta de ar podem acompanhar essa dor.
Estudos mostram que, em pessoas octogenárias, mais de 40% dos casos de infarto não apresentam o sintoma clássico de dor no peito, enquanto em pessoas com menosde 65 anos este número gira em torno de apenas 10%. Isso ocorre porque pessoas mais idosas apresentam condições clínicas que, além de confundir o diagnóstico com outras patologias, como de origem digestiva, respiratória ou osteomuscular, ainda podem apresentar mais frequentemente condições como diabetes mellitus ou depressão, que alteram a sensibilidade. Medicamentos utilizados para controle de dor ou depressão também causam mudanças na percepção da dor. Além disso, não podemos esquecer que a própria doença aterosclerótica, aquela que forma placas de gordura nas artérias, é mais comum em pessoas acima de 65 anos, facilitando a ocorrência de infarto.
Ocorre ainda que parte dos idosos talvez tenha algum distúrbio cognitivo (doença de Alzheimer, por exemplo). Desta forma, a interpretação do sintoma e sua comunicação ao profissional que está fazendo seu atendimento tornam-se imperfeitas, levando a erros diagnósticos.
Entre as manifestações que não são clássicas de infarto, devemos prestar mais atenção nestes sintomas em idosos:
náuseas;
palidez;
sudorese excessiva;
falta de ar;
surgimento de confusão mental;
diarreia;
indisposição;
ou até mesmo ausência de sintomas.
Quanto mais idoso o paciente, maior deve ser o cuidado para não deixarmos escapar este diagnóstico. Sabe-se que neste grupo de pessoas o tratamento adequado é essencial para a diminuição de sequelas, que são arritmias, insuficiência cardíaca e declínio de qualidade de vida.
Dra. Clara, ao fazer o diagnóstico, iniciou imediatamente o tratamento e encaminhou o Sr. Benedicto para o cateterismo no mesmo momento, afinal fazia poucas horas que os sintomas tinham começado. Tratada a artéria obstruída, com a implantação de um stent coronário, o paciente evoluiu sem alterações. Depois de uma curta estadia na UTI, foi para a enfermaria e recebeu alta após três dias, sem sequelas no coração. Decidiu fazer o tratamento rigorosamente, mas, por via das dúvidas, agora modera na quantidade de cerveja… Afinal, ainda acha que a culpa foi dela!
Embolia pulmonar, uma doença muito comum e que é pouco diagnosticada, deve ser lembrada sempre!
Sr. João Carlos, 75 anos, chegou ao Pronto Socorro com queixa de dor no peito intensa e falta de ar que surgiram de repente. Foi trazido por causa do medo de ser infarto do miocárdio, mas assim que fez o eletrocardiograma ficou aliviado: não era infarto! Mas, afinal de contas, o que poderia causar um quadro tão severo?Ele conta que há cinco dias apresentou uma queda por ter tropeçado na guia da calçada de sua rua. Procurou o mesmo Pronto Socorro onde fez radiografias diversas e, por causa de uma lesão no ligamento do joelho direito, foi medicado com analgésicos, orientado a fazer repouso e iniciar fisioterapia. Ora, como apesar dos analgésicos o joelho permanecia doendo muito ao dobrar, ele optou por colocar um imobilizador e permanecer o mais quieto possível até iniciar a fisioterapia dali a duas semanas… Os médicos suspeitaram de embolia pulmonar. A família do Sr. João Carlos já havia ouvido falar disso, mas ficou cheia de dúvidas: afinal, isso é grave?
Quando pensamos em sintomas como dor no peito ou falta de ar naturalmente associamos a doenças do coração, porque são frequentes e potencialmente graves. Mas existem outras patologias que são pouco diagnosticadas e têm uma importância muito grande como origem de sequelas ou causa de morte. Certamente entre elas está o tromboembolismo pulmonar, mais conhecido como embolia de pulmão.
Como acontece a embolia de pulmão?
Para entender esta pergunta, precisamos lembrar que o sangue venoso volta ao coração e é bombeado aos pulmões para que seja novamente oxigenado. As veias das pernas e da pelve podem desenvolver coágulos em determinadas situações, que vão se deslocar de sua origem e, passando pelo lado direito do coração, serão encaminhados aos pulmões, entupindo artérias que o irrigam. Neste momento existe sofrimento do órgão, gerando dor, e piora de seu funcionamento, acarretando falta de ar. Vide a figura abaixo:
Embolia do pulmão
As situações que facilitam o desenvolvimento de coágulos nas veias incluem aquelas em que a velocidade de fluxo sanguíneo está diminuída, a viscosidade do sangue está mais alta ou quando por algum motivo existe uma tendência maior a se criarem coágulos, chamados de estados de hipercoagulabilidade.
Exemplos de tais situações são a imobilização, principalmente de membros inferiores, a desidratação ou doenças que determinam maior facilidade de produzir coágulos, como no câncer ou alterações genéticas familiares. Segue abaixo uma lista de situações predisponentes:
imobilização secundária a trauma ou cirurgia de membros inferiores;
voos com duração maior que 6 horas;
desidratação;
algumas doenças do sangue em que haja aumento da quantidade de glóbulos vermelhos;
doenças pulmonares;
insuficiência cardíaca;
terapia de reposição hormonal ou uso de anticoncepcionais orais;
neoplasias (câncer);
doenças genéticas e familiares que predisponham essa condição.
Toda embolia de pulmão se apresenta da mesma forma?
Como se costuma dizer no meio médico, só é possível fazer o diagnóstico de embolia pulmonar se esta possibilidade for lembrada, porque as manifestações da doença são inespecíficas (podem ocorrer em diversas outras doenças), os sinais clínicos são pouco marcantes e os exames mais corriqueiros, presentes na maior parte dos serviços médicos, pouco ajudam. Para se ter ideia, esta ainda é uma causa frequente de óbitos que só são esclarecidos em autopsias. Os sinais clínicos mais frequentes relacionados à embolia pulmonar são:
Dor torácica;
Falta de ar;
Tonturas e perda de consciência;
Palpitações;
Tosse;
Febre;
Fadiga;
Para fazer o diagnóstico, o emprego de exames complementares, tanto laboratoriais como de imagem, aumentam muito a assertividade. Alguns exames são de importância especial como o Dímero D, exame de sangue que mostra presença de coágulos dentro da circulação e se apresenta aumentado na embolia pulmonar. O resultado normal deste exame potencialmente exclui a possibilidade da doença. Outra investigação importante de ser checada é a troponina, enzima do coração que pode aumentar em embolias maiores e está relacionada ao prognóstico da doença. Quando alterada, podemos imaginar que a embolia é mais extensa. Pode causar confusão com o infarto do miocárdio, que é a outra condição mais frequente de elevação deste marcador.
Exames de imagem mais comuns, como eletrocardiograma ou radiografia de tórax devem ser realizados, mas na maioria das vezes não trazem alterações que sejam clássicas de embolia pulmonar. São importantes para afastar outras causas como infarto, pneumonia entre outras causas de dor torácica. O melhor exame para o diagnóstico adequado é a tomografia de tórax com contraste. Através das imagens obtidas, é possível encontrar os locais onde houve a obstrução dos vasos pelos coágulos (chamados de êmbolos) que vieram das veias calibrosas das pernas ou da pelve.
Embolia pulmonar tem tratamento?
Sim, sem dúvida! O tratamento da embolia pulmonar deve ser iniciado assim que é feito o diagnóstico e vai depender da gravidade do quadro que o paciente apresenta. Para aqueles que têm repercussão importante como perda de consciência, queda importante da oxigenação ou redução significativa da pressão arterial, sinais que sugerem maior comprometimento, a tentativa de retirada das obstruções através de medicamentos que dissolvem os coágulos ou de procedimento de retirada dos mesmos através de um tipo de cateterismo se impõe. Mas na maioria dos casos a instituição de medicamentos anticoagulantes será suficiente, e visa reduzir o risco de extensão desses coágulos obstrutivos e da possibilidade de novos êmbolos chegarem aos pulmões. O tratamento com anticoagulantes costuma se estender por meses e eventualmente pode ser necessária sua manutenção para o resto da vida.
Existem meios de se evitar a embolia pulmonar?
Quando pensamos que a formação de coágulos tem fatores que facilitam seu aparecimento, sabemos que se os evitarmos nós teremos menos chance de desenvolver a doença. Manter hidratação adequada, usar meias elásticas, que diminuem a quantidade de sangue “estagnado” nas veias das pernas, e movimentar-se, são exemplos de atitudes simples que terão impacto. O conselho vale principalmente para pessoas que estejam sob risco, como aquelas estejam se recuperando de cirurgias ortopédicas, pacientes com algum tipo de câncer, doença pulmonar ou insuficiência cardíaca. Em alguns casos, medicamentos anticoagulantes – que “afinam o sangue” – podem ser indicados. Seu médico saberá orientar o melhor meio de prevenção. Quando não é possível o uso de anticoagulantes, pode-se considerar o implante de filtros nas veias, que funcionam como um “guarda-chuva” e não permitem que os êmbolos cheguem aos pulmões.
E o Sr. João Carlos, como ficou?
A equipe do PS rapidamente colheu exames e encaminhou o paciente para fazer a tomografia de tórax com contraste. Lá confirmaram o diagnóstico, compatível com os achados dos exames de sangue, que mostraram Dímero D aumentado, mas troponina normal. Passou a receber anticoagulantes, tratamento de suporte com oxigênio e fisioterapia e foi de alta em cinco dias após ter melhorado, usando medicações anticoagulantes orais. Se não tivesse feito o diagnóstico correto, certamente o quadro poderia ter se agravado e o levado a risco de ficar com alguma sequela (como falta de ar crônica, arritmia ou insuficiência cardíaca) ou mesmo risco de morrer.
Então, não deixe de avaliar os sintomas torácicos que surjam de repente, principalmente se houver algum fator que facilite formação de coágulos. O médico saberá como investigar!
Meu médico auscultou um Sopro no meu coração… É grave?
Um achado frequente na avaliação física de idosos que merece seguimento.
O coração é um órgão incansável. É a bomba responsável por toda a circulação sanguínea e trabalha ininterruptamente desde a vida embrionária até a morte.
Para isto, sua arquiteturaé composta por quatro câmaras, com estruturas que permitem que sua performance seja máxima e assegurem o fluxo sanguíneo sempre na direção adequada. Estas são membranas delicadas chamadas válvulas cardíacas.
Temos quatro delas no coração:
Tricúspide (entre o átrio direito e o ventrículo direito)
Pulmonar (entre o ventrículo direito e a artéria pulmonar)
Mitral (entre o átrio esquerdo e o ventrículo esquerdo)
Aórtica (entre o ventrículo esquerdo e a artéria aorta)
Veja o esquema
O sangue sem oxigênio chega ao coração pelo átrio direito, passa ao ventrículo direito, de onde é bombeado através da artéria pulmonar para os pulmões a fim de ser oxigenado. De lá volta ao coração chegando pelo átrio esquerdo, escoa ao ventrículo esquerdo que é o responsável pelo seu bombeamento para o corpo pela aorta.
Veja o vídeo
Estas válvulas se abrem e se fecham durante os batimentos cardíacos, e permitem que o sangue seja ejetado para os pulmões e para o corpo, sem oferecer resistência ou permitir que o sangue reflua para o coração. Quando o funcionamento destas válvulas sofre alteração, surge um turbilhonamento do sangue, causando um som – o sopro cardíaco.
Intuitivamente podemos entender que quanto maior é a alteração da válvula tanto mais intenso é o sopro. Ele acontece porque a membrana deficiente permite o refluxo de sangue (insuficiência) ou não se abre adequadamente, criando uma resistência ao fluxo (estenose).
A maior parte das alterações das válvulas cardíacas que acontecem com o passar do tempo tem causa degenerativa, ou seja, o seu movimento contínuo as vai desgastando e lesionando.
Doenças congênitas, infecciosas ou reumatológicas podem acelerar a degeneração. As situações mais comuns são a insuficiência da válvula mitral e a estenose da aórtica.Tais doenças das válvulas devem ser acompanhadas porque com seu agravamento pode ocorrer o surgimento de insuficiência cardíaca, situação em que a função de bombeamento sanguíneo pelo coração fica comprometida, causando sintomas como falta de ar, tonturas, arritmias ou até mesmo dor no peito.
O tratamento definitivo dessas situações costuma ser cirúrgico (plástica da válvula doente ou troca por prótese) ou, mais recentemente, intervencionista (através de procedimento por cateterismo cardíaco). O momento ideal de realizar algum destes tratamentos invasivos deve ser muito bem indicado, para que não seja feita uma intervenção precoce a ponto de ser considerada desnecessária e nem tardia, momento em que o coração já tenha sofrido alterações irreversíveis, não sendo mais possível sua recuperação.
Desta forma, caso seja descoberto um sopro no coração é essencial o acompanhamento médico para que o diagnóstico precoce e o tratamento adequado possam preservar qualidade de vida.
Vamos pensar em dois cenários: João, 69 anos, tinha alguns problemas de saúde, como hipertensão arterial e diabetes, mas não gostava de se cuidar.
Já sua esposa, Maria, de 65 anos, tinha uma excelente saúde, fazia atividade física diária, dieta balanceada e tomava vitaminas para ser saudável.
João, certo dia, tem dor no peito, é levado ao hospital onde é diagnosticado um infarto. Recebe tratamento e sai com a orientação de tomar aspirina continuamente, afinal ela é uma droga poderosa para prevenção de novos eventos cardíacos. Maria, interessada em conservar sua boa saúde, começa a tomar aspirina também, a dose é infantil e não vai fazer mal…
O tratamento de doenças cardiovasculares (DCV), principalmente do infarto do miocárdio (IM) e mesmo dos acidentes vasculares cerebrais isquêmicos (AVCi), vem se beneficiando de muitos conhecimentos acumulados, com importantes repercussões na redução da sua mortalidade.
Uma das maiores contribuições para este fato foi a indubitável ação da aspirina, medicação conhecida há tantas décadas como responsável pela melhora nas taxas de sobrevida de pacientes que sofriam de síndromes coronárias agudas (que incluem o IM e a angina).
Desde os anos 1980, diversos estudos vêm corroborando sua importância no tratamento destas doenças tão graves. Através de sua ação na redução da capacidade de formação de coágulos sobre as placas de ateroma (gordura), que naturalmente tendem a se formar nas artérias do coração e do cérebro, a aspirina (ou ácido acetilsalicílico – AAS) reduz a possibilidade de entupimento dos vasos, que suprem estes órgãos de nutrientes e oxigênio. Assim, uma intervenção medicamentosa aparentemente tão simples pode reduzir em até 30% a mortalidade destas emergências clínicas.
O uso da aspirina se tornou, desde então, um dos pilares no tratamento das pessoas que sofriam com os males das DCV. Talvez por ser aparentemente tão inócua, ainda mais na dose usualmente recomendada para a proteção nessas situações, (apenas 81 a 100mg são suficientes), o uso indiscriminado deste medicamento passou a ser uma realidade. Afinal, doses que usamos para crianças não poderiam trazer quaisquer males para usuários adultos, certo?
Errado! Desde 2019, a American Heart Association (AHA), entidade que desenvolve guias para tratamento das doenças cardiovasculares e cerebrovasculares nos Estados Unidos da América, alerta para possíveis complicações do uso inadequado da aspirina. Com a tendência do seu emprego cada vez mais frequente e sem uma indicação precisa, foi percebida que a ocorrência de fenômenos hemorrágicos, principalmente gastrointestinais, superava as possíveis vantagens naquelas pessoas que não tinham justificativa clínica.
Acontece que, apesar de ser utilizada em doses baixas, a aspirina é um potente irritante da mucosa gástrica, principalmente quando exposta continuamente a este agressor. Gastrites, úlceras e hemorragias são mais frequentes em usuários crônicos deste medicamento.
Outra preocupação, comumente deixada em segundo plano, é a possibilidade de alergias ao ácido acetilsalicílico (AAS) e outros efeitos, como descompensação de asma brônquica. Pacientes com distúrbios de coagulação também são considerados de risco para aumento de sangramento com o uso da aspirina. Procedimentos diagnósticos ou terapêuticos podem ser comprometidos pelo uso contínuo do AAS.
Afinal, para quem o uso contínuo da aspirina tem um efeito benéfico, que certamente supere seus riscos?
Infelizmente não é para todos. Listaremos algumas situações em que ela deve ser considerada de forma inquestionável, desde que não haja contraindicação:
– pessoas que já tenham apresentado IM ou AVC isquêmico;
– pacientes que tenham implantes intravasculares, como stents coronários ou em vasos carotídeos, assim como algumas próteses cardíacas.
Ou seja, como prevenção secundária, situações nas quais a pessoa já mostrou uma suscetibilidade aumentada para DCV sempre devemos considerar seu uso, descartadas as situações de risco aumentado.
O uso indiscriminado ocorre principalmente na profilaxia primária, ou seja, naqueles indivíduos que ainda não tiveram IM ou AVC, mas querem prevenir sua ocorrência. Para estas situações devemos ser muito mais cuidadosos.
Segundo a AHA, em seu consenso de 2019, devemos observar alguns critérios para a indicação do uso contínuo de aspirina:
– Homens entre 45 e 79 anos de idade quando o risco potencial de DCV importante supera o risco de sangramento ou outras complicações;
– Mulheres entre 55 e 79 anos de idade quando o risco potencial de DCV importante supera o risco de sangramento ou outras complicações;
– pessoas diabéticas acima de 40 anos de idade com outros fatores de risco para DCV.
O que está ocorrendo neste momento é a reavaliação destas indicações por uma Força Tarefa de cientistas e médicos, que destacam maior preocupação com potenciais complicações do tratamento. É importante ressaltar que seu posicionamento é de combater, baseados nas evidências científicas acumuladas, apenas o uso indiscriminado deste potente agente anticoagulante e não condenar o medicamento para todos.
Voltando aos cenários do início, Maria teve um quadro de intensa dor gástrica após dois meses do infarto de João. Precisou fazer endoscopia digestiva alta que mostrou uma úlcera no duodeno, necessitou de tratamento de alguns meses e hoje tem intolerância a diversos alimentos e medicamentos
A decisão sobre o uso ou não de aspirina como medicamento de prevenção não é brincadeira. Não deve ser discutida na roda de amigos ou com pessoas que não são habilitadas para entender os riscos e benefícios de seu uso. Ela deve ser individualizada, conversada com seu médico, que apontará não só as vantagens como também os sinais de alerta aos quais devemos estar atentos para uma intervenção caso algo saia do esperado. Além disso, sempre deve ser ressaltado que a adoção de hábitos saudáveis como dieta adequada, atividade física regular e boa qualidade de sono são tão ou mais eficazes na prevenção de DCV que qualquer medicamento. Pense nisso!
Quem acompanha a Eurocopa da UEFA certamente ficou angustiado no último dia 12 de junho ao assistir um caso de síncope e morte súbita, quando aos 42 minutos do primeiro tempo do jogo entre Dinamarca e Finlândia o jogador dinamarquês Christian Eriksen foi de encontro à bola lançada e subitamente caiu de rosto ao chão, sem reação de defesa à queda. Seus companheiros rapidamente se agitaram, pediram atendimento médico e ficaram em torno do jogador, que permaneceu sem sentidos por minutos. Os médicos iniciaram manobras de ressuscitação cardiopulmonar (RCP) por trás de uma barreira que os seus colegas formaram para dar alguma privacidade ao atendimento e o atleta, após alguns minutos, foi retirado de campo em maca para ser encaminhado ao hospital.
https://www.youtube.com/watch?v=6uqpak5aT_A
Eriksen sofreu de Síncope e morte súbita
A perda súbita de consciência, chamada síncope, o popular “desmaio”, tem algumas causas. Alterações cardíacas, neurológicas e as chamadas neurocardiogênicas são as mais relevantes. Iremos focar na de origem cardíaca, aquela mais grave, relacionada ao quadro apresentado pelo jogador. As outras duas serão abordadas posteriormente.
Vamos tentar entender o que ocorre no coração normal. Para que tenhamos o pleno funcionamento de todos os órgãos, inclusive do cérebro, precisamos que eles recebam suprimento adequado de sangue. Caso ocorra falha súbita deste abastecimento, o cérebro, que é o mais sensível dos órgãos, “apaga” e temos a síncope. O órgão responsável por fornecer este fluxo sanguíneo adequado é o coração. Para que ele bombeie adequadamente o sangue, precisa ter um estímulo elétrico ritmado. Dessa forma sua musculatura se contrai e ejeta o sangue com pressão suficiente. Então, percebemos que é essencial que o ritmo de estimulação elétrica do coração esteja perfeito para que seja efetivo.
Em uma pessoa normal, a frequência de batimentos cardíacos em repouso varia de 60 a 100, e pode apresentar alguma variação a depender da atividade ou do estado emocional do indivíduo. Quando isso não ocorre, temos as arritmias.
Elas podem ser benignas, sem gravidade, ou malignas, quando causam risco de morte. Diversas doenças cardíacas predispõem essas arritmias graves, como infarto do miocárdio, hipertrofia e enfermidades do músculo cardíaco, (doença de Chagas), entre outras.
Foi uma falha neste sistema elétrico que causou o problema do atleta dinamarquês. Por algum motivo não revelado, o coração do jogador entrou numa arritmia que disparou uma frequência cardíaca muito elevada – acima de 300 batimentos por minuto. Isto impediu que o coração conseguisse relaxar e se encher de sangue. Assim, suas contrações não foram efetivas. A pressão arterial despencou, o cérebro ficou sem perfusão sanguínea e ele desabou. Esta é a chamada “Morte Súbita” cardíaca.
A situação é rara nos campos de futebol e nas competições profissionais de outras categorias. Certamente é mais comum entre os amadores casos de síncope e morte súbita, porque os cuidados focados na saúde de profissionais do esporte podem diagnosticar alterações cardíacas que os predispõem a uma manifestação catastrófica. As arritmias malignas podem acontecer em qualquer pessoa, independente de condição socioeconômica, idade, se sedentária ou esportista. Porém, é muito mais frequente em cardiopatas e idosos. Segundo a SOBRAC – Sociedade Brasileira de Arritmia Cardíaca – é a causa de mais de 320.000 mortes todos os anos no Brasil.
O atendimento imediato é a única possibilidade de reverter a situação. As manobras de RCP devem ser imediatamente estabelecidas juntamente com o uso de um aparelho chamado DEA (desfibrilador externo automático), que é o recurso mais importante para seu tratamento.
O aparelho reconhece se a causa da parada cardiorrespiratória (PCR) é uma arritmia passível de ser interrompida com um choque e o dispara automaticamente caso haja necessidade. O sucesso na reversão da morte súbita é diretamente relacionado ao tempo de início de tratamento (RCP) e acionamento do DEA. Cada minuto de atraso, desde o momento da perda de consciência, reduz em 10% a chance de salvar o indivíduo. Após 6 minutos sem tratamento, o risco de morte cerebral é enorme. Uma Morte Súbita dificilmente será revertida se o tratamento se iniciar após o 10º minuto.
O que devemos saber
Qualquer um, mesmo aparentemente saudável e ativo, pode apresentar uma parada cardiorrespiratória. Um indivíduo encontrado sem consciência deve ser avaliado imediatamente. Chame a pessoa de forma vigorosa, se necessário tocando e a agitando. Se ela não expressar qualquer reação chame ajuda prontamente e inicie a RCP.
A grande maioria das mortes súbitas ocorre principalmente no domicílio, fora do hospital. Acione sem demora o serviço de emergência – 192 SAMU – caso isso aconteça.
Os procedimentos a serem iniciados no caso de uma PCR são as manobras de RCP – como ocorreu com o jogador Eriksen.
Não devemos interromper esse tratamento até a chegada de uma equipe especializada. Veja o vídeo abaixo:
Apesar de algumas críticas de especialistas quanto ao atendimento prestado ao atleta no dia 12 de junho durante o jogo, houve uma excelente evolução. Ele teve a oportunidade de se recuperar e foi tratado com a colocação de um Cardiodesfibrilador Implantável (CDI). O aparelho é semelhante a um marcapasso cardíaco, que passará a reconhecer de forma automática as eventuais arritmias futuras no coração de Eriksen e disparará um choque para interrompê-las. Provavelmente o atleta não terá mais condições de exercer o esporte de forma profissional. Mas certamente, em sua segunda chance de viver, ele encontrará grandes oportunidades e sua história ajudará muitas pessoas a se prepararem para situações semelhantes.