
Violência contra a Pessoa Idosa
A violência contra a pessoa idosa é tema da agenda política, configura-se como um importante problema de saúde pública e representa um fenômeno socioeconômico-cultural complexo e diverso. Relaciona-se diretamente com a situação de saúde e de qualidade de vida do idoso. Pessoas em idade avançada, dependentes financeiramente e com algum grau de dependência funcional e/ou comprometimento cognitivo tornam-se mais vulneráveis a sofrerem algum tipo de abuso e maus-tratos (Minayo, 2015).
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a violência contra a pessoa idosa é definida como “ações ou omissões cometidas uma vez ou muitas vezes, prejudicando a integridade física e emocional da pessoa idosa, impedindo o desempenho de seu papel social”.
O Estatuto do Idoso (Lei Federal nº 10.741, de 01 de outubro de 2003) declara que: “violência contra o idoso é qualquer ação ou omissão praticado em local público ou privado que lhe cause morte, dano ou sofrimento físico ou psicológico” (cap. IV, art. 19, § 1º). Diz também que: “Os casos de suspeita ou confirmação de violência praticada contra idosos serão objeto de notificação compulsória pelos serviços de saúde públicos e privados à autoridade sanitária, bem como serão obrigatoriamente comunicados por eles a quaisquer dos seguintes órgãos: autoridade policial, Ministério Público, Conselho Municipal do Idoso, Conselho Estadual do Idoso e Conselho Nacional do Idoso” (art. 19).
Cotidianamente são noticiados casos e situações de violência contra a pessoa idosa, sendo observado aumento significativo das denúncias durante a atual pandemia de COVID-19.
O canal da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, que recebe denúncias de violações dos direitos e que dissemina informações sobre os direitos de grupos vulneráveis (Módulo Idoso do Disque 100), registrou 48,5 mil denúncias de violência contra a pessoa idosa no ano de 2019. No final de 2020, em função do isolamento social imposto pela pandemia, esses registros aumentaram 53%, passando para 77,18 mil casos. No primeiro semestre de 2021, o número de registros ultrapassou 30 mil denúncias. De janeiro a maio deste ano o número de chamados no país já foi de 28.224.
A violência se manifesta nas formas: estrutural, que é resultante da desigualdade social, das dificuldades advindas da pobreza, miséria, e da discriminação; interpessoal, que se reflete nas relações cotidianas, especialmente dentro da família; e institucional, que se reflete na aplicação ou ausência da gestão das políticas públicas sociais pelas instituições de saúde e de assistência, públicas ou privadas.
As situações de violência contra a pessoa idosa acontecem principalmente dentro das casas e, em sua maioria, elas são cometidas por filhos, netos ou outros familiares, pessoas com as quais possui laços e confia. São potencializadas pela rotina estressante, pela sobrecarga e pelo despreparo dos cuidadores. Com frequência o idoso não reconhece e nem se enxerga na condição de vítima.
A violência pode ser classificada como visível ou invisível, ou seja, as que causam sofrimento, que machucam, deixam marcas e as que são imperceptíveis aos olhos. Essas provocam danos psicológicos incalculáveis, refletindo em sentimentos de medo, tristeza, desesperança, angústia, culpa e, frequentemente, depressão. As violências mais comumente observadas são a negligência, a física ou psicológica e a financeira.
A violência é, portanto, o contrário dos direitos assegurados no Estatuto do Idoso, apresentados no Capítulo II, art. 10, § 2º: “O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, de valores, ideias e crenças, e dos espaços e dos objetos pessoais” e §3º: “É dever de todos zelar pela dignidade do idoso, colocando-o a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor”.
Natureza da violência
- Abuso físico: é o mais visível, caracterizado por lesões corporais, empurrões, beliscões, tapas e agressões com armas de fogo ou arma branca, que resultam em traumas que podem levar à hospitalização ou morte.
- Abuso psicológico: caracterizado pela relação desigual, de humilhação, menosprezo, desprezo, preconceito e discriminação que resultam em tristeza, isolamento, sofrimento mental e solidão, e que podem levar à ideação suicida, tentativas de suicídio, ou efetivamente a morte. É verbalizado com expressões como estas: “Você não presta para nada”, “Você é um fardo, só dá trabalho”, “Você é um peso”, “Você já deveria ter morrido”.
- Abandono: acontece quando o idoso é retirado de seu ambiente/casa contra sua vontade; quando é privado de convívio com a família e das relações familiares, permanecendo isolado fisicamente; quando é institucionalizado contra sua vontade; quando é desassistido ou privado de alimentação, água, higiene, medicamentos e outras necessidades, antecipando a imobilidade e apagando sua personalidade, ocasionando seu adoecimento e morte.
- Negligência: quando o idoso é abandonado à própria sorte, isolado do convívio de seus pares, vive em ambientes inadequados às suas necessidades, com falta/omissão ou precariedade de cuidados à sua saúde, cometida por familiares ou instituições ou no atendimento dos serviços de saúde.
- Abuso econômico-financeiro e patrimonial: geralmente se associa a outras formas de violência. É caracterizado pela apropriação indébita de dinheiro, aposentadoria ou pensão do idoso; quando familiares e ou pessoas próximas forçam procurações para tutelar o idoso e retirar seu acesso aos bens patrimoniais; venda de bens e imóveis sem o consentimento do idoso.
- Violência sexual: quando a vítima é estimulada ou utilizada para obtenção de excitação, com beijo forçado, atos sexuais sem consentimento e bolinação do corpo. Menos comum, cerca de 1% dos casos, a maioria envolve mulheres, com problemas cognitivos e institucionalizadas. Ocorre em casa e são cometidos por pessoas da família ou em residências geriátricas.
- Violência autoinfligida e autonegligência: quando o idoso se isola, recusa-se a banhar-se, alimentar-se, medicar-se, demonstrando não querer viver. Pode se expressar em ideação suicida, levar à tentativa de suicídio ou até a consumação da morte. Associa-se a desvalorização, negligências, abandono e maus-tratos.
Importa destacar que as violências se manifestam de modo cumulativo!
Como podemos enfrentar a violência contra a pessoa idosa? Com estratégias para a prevenção!
O “Manual de Enfrentamento à Violência Contra a Pessoa Idosa. É possível prevenir. É necessário superar” (Minayo, 2014) reforça a importância do engajamento de toda a sociedade e sugere algumas estratégias para a prevenção:
- Investimento numa sociedade para todas as idades, ou seja, que não privilegie apenas os idosos, mas sim a todas as gerações, alcançando suas necessidades e promovendo ações concretas para promover qualidade de vida.
- Os direitos das pessoas idosas devem ser priorizados pelo governo.
- Os idosos, principais interessados, devem fazer parte, serem ouvidos, serem protagonistas, atuantes em tudo que disser respeito a si. “Nada sobre nós sem nós”.
- Apoio às famílias que abrigam idosos, por meio de adaptação das casas (com o intuito de prevenir dependências ocasionadas por acidentes domésticos); mudança de comportamento (por meio da sensibilização de toda a sociedade sobre o processo de envelhecimento, com o intuito de desconstruir os preconceitos e prevenir situações de violência) e apoio aos cuidadores familiares (por meio de serviços públicos de assistência domiciliar, formação e orientação dos profissionais e suportes institucionais).
- Criação de espaços sociais seguros e amigáveis, fora de casa, que privilegiem segurança e acessibilidade.
- Formar profissionais de saúde, assistência e cuidadores profissionais. É preciso investir na formação adequada para compreensão do fenômeno do envelhecimento e das possibilidades de velhices, com visão interdisciplinar.
- Prevenção de dependências, por meio de promoção de saúde.
Referências
Minayo MCS. Violências visíveis e invisíveis contra pessoas idosas em idade avançada. In: Netto MP, Kitadai FT (eds). A quarta idade: o desafio da longevidade. São Paulo: Editora Atheneu, 2015. p. 111-26.
Brasil. Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Brasil: Manual de enfrentamento à violência contra a pessoa idosa. É possível prevenir. É necessário superar./ Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República; Texto de Maria Cecília de Souza Minayo. — Brasília, DF: Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, 2014.