Na medida em que a população envelhece e a expectativa de vida acena com metas cada vez mais ambiciosas, observamos um aumento progressivo dos diagnósticos de câncer. O racional é que uma célula mais velha esteja sob maior risco de mutações e algumas formas que nosso corpo tem para neutralizar essas mutações vão ficando menos eficientes.

A  idade, independente de outros fatores, aumenta a incidência de câncer. Na ginecologia não é diferente. Durante o mês de outubro nossas atenções se voltaram para o câncer de mama e, caso você não tenha visto ainda, aqui no Portal da Trevoo existem artigos sobre esse tema tão importante. Hoje vou abordar o câncer ginecológico, que responde por mais de 40% dos casos de câncer nas mulheres, sendo os mais comuns os de colo uterino, ovários e corpo uterino ou endométrio.

Existem algumas particularidades na mulher mais idosa que interferem no prognóstico, incluindo o diagnóstico tardio, já que muitas vezes a mulher deixa de ir ao ginecologista após a menopausa ou por não ter atividade sexual ou por achar, erroneamente, que por estar mais idosa “não precisa” mais ir ao ginecologista.

Para ilustrar, seguem duas tabelas do INCA, 2019, sobre incidência e mortalidade por câncer em mulheres no Brasil.

TABELAS INCA:

1 INCIDENCIA DE CÂNCER EM MULHERES

Localização Primária Casos Novos %
Mama feminina 66.280 29,7
Cólon e Reto 20.470 9,2
Colo do útero 16.710 7,5
Traqueia, Brônquio e Pulmão 12.440 5,6
Glândula Tireoide 11.950 5,4
Estômago 7.870 3,5
Ovário 6.650 3,0
Corpo do útero 6.540 2,9
Linfoma não-Hodgkin 5.450 2,4
Sistema Nervoso Central 5.230 2,3
Todas as Neoplasias, exceto pele não melanoma 223.110 100,0
Todas as Neoplasias 316.280

 

2 MORTALIDADE POR CÂNCER EM MULHERES

Localização Primária Óbitos %
Mama 18.068 16,4
Traqueia, Brônquios e Pulmões 12.621 11,4
Cólon e Reto 10.385 9,4
Colo do útero 6.596 6,0
Pâncreas 5.893 5,3
Estômago 5.475 5,0
Sistema Nervoso Central 4.663 4,2
Fígado e Vias biliares intrahepáticas 4.584 4,2
Ovário 4.123 3,7
Leucemias 3.356 3,0
Todas neoplasias 110.344 100,0

O câncer de mama tende a ser menos agressivo com a idade, apresenta crescimento mais lento e, em regra, demanda tratamentos menos invasivos. Não existe mudança com relação à cirurgia, salvo em mulheres muito idosas com comorbidades que contraindiquem quimioterapia ou mesmo a radioterapia. Nesses casos, há uma tendência maior à realização de mastectomia ao invés de cirurgia conservadora. Nesse grupo é mais comum a hormonioterapia do que a quimioterapia como adjuvante.

O câncer de endométrio, que é a camada interna do útero, aparece geralmente após os 60 anos. O sintoma mais comum é sangramento vaginal na ausência de reposição hormonal e esse é um alerta muito válido.

Toda mulher que apresenta sangramento na pós-menopausa deve ser submetida a uma avaliação cuidadosa através de exame ginecológico e ultrassonográfico, com a medida da espessura e das características desse endométrio. Importante frisar que o câncer não é a única causa desse tipo de sangramento, mas obrigatoriamente, deve ser descartado. Os pólipos, a própria fragilidade desse tecido provocada pela falta de hormônio e as hiperplasias (espessamentos) do endométrio são causas mais comuns e benignas de sangramento.
O diagnóstico de certeza depende da retirada de material da cavidade uterina de preferência através da histeroscopia ou, quando esse método não se encontra disponível, através de curetagem.
O tratamento é cirúrgico por excelência e tanto as cirurgias por videolaparoscopia quanto as robóticas são alternativas que diminuem o tempo de cirurgia e o pós- operatório, e tendem a ser muito melhores se comparadas às cirurgias convencionais.

 

O câncer de ovário persiste como um grande desafio para nós, médicos, devido à dificuldade de se avaliar os ovários, o que leva a um diagnóstico em fases avançadas da doença com piora no prognóstico e qualidade de vida. Sua incidência aumenta a partir dos 65 anos. Os ovários são órgãos pequenos que diminuem ainda mais na menopausa e podem não ser vistos em uma USG de rotina.

 

Em fases iniciais não apresenta sintomas e geralmente é achado em ultrassonografia de rotina. Tardiamente, pode haver dor e aumento do volume do abdômen, emagrecimento e queda do estado geral. 75% dos casos são diagnosticados em fase avançada, o que explica ser o câncer de ovário o que apresenta maior mortalidade dentre os cânceres em mulheres. Portanto não deixe de fazer o USG endovaginal ou de pelve anualmente, principalmente se houver casos de câncer de ovário e/ou mamas na sua família. A base do tratamento é a cirurgia, cuja extensão depende da fase da doença e geralmente da quimioterapia complementar. Metade das pacientes com câncer de ovário avançado morre em até cinco anos. Em compensação, quando a doença ainda está restrita ao órgão, 90% dessas  pacientes viverão mais que cinco anos.

Os cânceres de vulva e o de vagina são relativamente raros e acometem, principalmente,  mulheres acima de 65 anos. O de vulva, que é a genitália externa da mulher, responde por 5% dos cânceres ginecológicos e o de vagina tem incidência ainda menor.

 

Raramente o câncer de vagina é primário, geralmente ocorre por extensão ou metástase de outros tumores ginecológicos. O tratamento é cirúrgico e resulta, muitas vezes, em mutilações importantes, com impacto direto na qualidade de vida dessas mulheres, inclusive na vida sexual.

 

A taxa de sobrevida em cinco anos do câncer de vulva varia de 16%, se existe disseminação para outros órgãos, até 86% nos tumores localizados. Com relação ao câncer de vagina, mais de 90% de sobrevida em cinco anos nos casos iniciais caindo para 30%, em média, nos casos em que existe doença a distância.

Vale lembrar que a vacina contra o HPV, que também faz parte do calendário de vacinação no nosso país e é oferecida pelo SUS, vem diminuindo a incidência das lesões precursoras do câncer genital, tanto em homens quanto em mulheres, o que significa que menos pessoas serão vítimas dessas neoplasias.

Já o câncer de colo uterino apresenta risco menor à medida que a mulher envelhece, mas isso não significa que podemos deixar de fazer o Papanicolau.  Aliás, a ideia de ir ao ginecologista anualmente para fazer o exame de  prevenção é uma forma de garantirmos que  os outros exames necessários a cada fase da vida serão realizados também. É o terceiro tumor mais frequente em mulheres, atrás apenas do de mama e do colorretal, e a quarta causa de morte por câncer na população feminina no Brasil, segundo dados do INCA. Ou seja, é muito presente em nossa realidade de país eternamente em desenvolvimento. A incidência do câncer de colo é nitidamente menor em países desenvolvidos.

 

A associação com infecção pelo HPV é o principal fator de risco, além de baixas condições de higiene, múltiplos parceiros, início precoce de vida sexual, tabagismo, outras doenças sexualmente transmissíveis e imunossupressao.

 

Os sintomas mais comuns são corrimento vaginal com odor desagradável e sangramento vaginal à atividade sexual. Com a evolução da doença pode aparecer dor pélvica intensa, alterações urinárias, intestinais, febre, emagrecimento. Não espere isso acontecer com você!

A faixa de idade mais acometida é entre 35 e 45 anos, mas mais de 20% dos casos ocorrem em mulheres com mais de 65 anos. A sobrevida média  em cinco anos é de 66%, mas é importante frisar que, nos casos iniciais, passa de 90%.

O câncer de colo é um dos poucos que podem, efetivamente, ser prevenidos, já que na maioria das vezes só conseguimos diagnóstico precoce. O Papanicolau, chamado de exame preventivo, deve ser realizado anualmente por todas as mulheres que já tiveram atividade sexual. É um exame simples, rotineiro, indolor, de baixo custo, que consegue identificar células doentes que podem evoluir para o câncer se não houver tratamento adequado, ou seja, o Papanicolau diagnostica o pré-câncer de colo.  Digo para minhas pacientes que, havendo como prevenir, o câncer de colo só acontece em quem QUER. Cuide-se! Faça seu preventivo regularmente!

O tratamento varia de procedimentos simples, como a retirada do colo uterino apenas, até cirurgias muito complexas. Em algumas situações a radioterapia é necessária, o que acarreta, muitas vezes, consequências danosas para a paciente, devido à proximidade da bexiga e do reto. Quimioterapia,  imunoterapia e terapia alvo, muitas vezes são necessárias e dadas inúmeras possibilidades terapêuticas e às particularidades de cada paciente, o ideal é que uma equipe multiprofissional conduza o tratamento.

Enfim, espero ter contribuído com informações importantes e, mais que isso, espero ter alertado sobre os cânceres ginecológicos que são uma  triste realidade em nosso meio e merecem toda a atenção.

Sobre o autor:

Dra. Luciene Miranda Barduco
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Luciene Miranda Barduco, médica formada pela USP, continua apaixonada por sua especialidade, a ginecologia e obstetrícia. Depois descobriu a mastologia e, recentemente, a sexologia. Médica, esposa, mãe da Mariana e gosta muito de tudo isso! Colunista do Portal Trevoo.
@lulubarduco

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