Moradia na velhice: recomendações para ambientes confortáveis e seguros

Moradia na velhice: recomendações para ambientes confortáveis e seguros

Quando se discutem quais os aspectos que precisam garantir uma moradia confortável e segura na velhice, as primeiras considerações referem-se aos tapetes, que podem causar tropeços e escorregões, às barras de apoio no banheiro, que deveriam existir em qualquer idade, e aos móveis com quinas vivas, igualmente por incorrerem em riscos perigosos. Ambientes efetivamente preparados para o bem-estar de um morador idoso devem prevenir intercorrências ao considerar não somente as quedas, que são preocupantes, mas também a autopercepção de que está abrigado com conforto, a partir dos cuidados com desenho universal, acessibilidade irrestrita e condição de domínio sobre seu território.

O desenho universal permite que ambientes e produtos possam ser utilizados por pessoas em quaisquer condições funcionais, a fim de que mantenham autonomia e independência. Acessibilidade, de acordo com a NBR 9050:2020 (ABNT, 2020), diz respeito à “utilização de maneira autônoma, independente e segura do ambiente, edificações, mobiliário, equipamentos urbanos e elementos à maior quantidade possível de pessoas, independentemente de idade, estatura ou limitação de mobilidade ou percepção”. Quanto ao domínio sobre os espaços de vida, os estudos de Gerontologia Ambiental trazem princípios relacionados aos impactos do ambiente construído sobre o envelhecimento humano, destacando-se os conceitos de agência – capacidade de tomar decisões nas atividades de vida diária – e pertencimento – condição de sentir-se parte de um grupo ou comunidade (WAHL; IWARSSON; OSWALD, 2012).

 

Tais condições sugerem recomendações para que os ambientes domésticos sejam confortáveis, sendo que as dimensões do mobiliário são um modo de garantir segurança nos movimentos necessários às atividades da vida diária.

 

Assentos e camas devem ter alturas que facilitem o movimento de sentar e levantar, e os apoios laterais são importantes para que a autonomia seja preservada. Tanto junto à cama quanto nas laterais da bacia sanitária, é preciso criar condições para que um dispositivo fixo facilite o movimento, evitando apoiar-se em móveis que podem estar instáveis ou em alturas inadequadas. Além disso, gavetas com corrediças telescópicas, aquelas que permitem abertura total, evitam posturas forçadas em balcões de banheiros e cozinhas, principalmente. Do mesmo modo, as alturas dos espaços para eletrodomésticos precisam ser projetadas para facilitar o apoio de recipientes quentes ou pesados, e os armários aéreos podem ser deslizantes, a partir de um mecanismo que desloca suas prateleiras verticalmente para baixo. Em adaptações de mobiliário existente, adotar caixas organizadoras pode permitir melhor utilização de espaços sob a pia da cozinha e do banheiro, garantindo que o alcance visual se amplie.
Pisos antiderrapantes são importantes nas áreas molhadas, mas o destaque na mudança de ambientes é ainda mais significativo, especialmente quando há um pequeno degrau. Isso é possível adotando-se uma soleira com o lado alto chanfrado, em cor diversa aos pisos subsequentes, embora tons muito escuros sejam percebidos como obstáculo por pessoas com baixa acuidade visual. Caso essa peça não exista, há faixas antiderrapantes coloridas que oferecem esse destaque, podendo ainda ser acrescentada uma pequena barra de apoio na lateral da passagem para garantir o sentimento de segurança. Quanto ao uso de tapetes, uma base de borracha com ventosas sob o chuveiro oferece conforto e não desliza, assim como tapetes de material têxtil podem ser utilizados desde que as pontas não estejam no percurso e possam enrolar, arriscando a tropeços. Se forem deslizantes, acrescentar uma base de borracha que os mantêm firmes contra o piso, pois muitas vezes são peças relacionadas com memórias afetivas e não devem ser retiradas, podendo ser realocadas ou se tornarem adornos em paredes, a depender do tamanho.

 

Há ainda as condições de conforto relacionadas com a percepção de luzes, cores, sons e odores, importantes para uma ambiência positiva.

 

Ambiência é o espaço físico, que organiza o ambiente, e espaço estético que o anima, para o exercício das atividades humanas (BESTETTI, 2014). Portanto, o ambiente construído é o cenário de encontro dos sujeitos, onde se produzem subjetividades e são praticados desejos e necessidades. Assim, aproveitar a luz solar sem que haja excessos e desgastes, com pontos de luz artificial que sejam estimulantes ou relaxantes, são decisões que impactam diretamente no estado emocional do usuário. Sua experiência é ainda mais rica se houver cores equacionadas para equilibrar o estado emocional, caracterizado por diferentes temperamentos e personalidades. Acentos visuais são objetos complementares coloridos, mas as superfícies também podem ser pintadas com cores contrastantes ou tom sobre tom, criando uma dinâmica visual igualmente alcançada com estampas coloridas. Sempre evitar desenhos que possam criar desorientação em função de alto contraste ou com formas que sugiram movimento. Sons podem ser ruídos externos, controlados por revestimentos têxteis e esquadrias com vidro duplo, além de músicas escolhidas para agradar os moradores, atualmente utilizando-se assistentes de voz que oferecem também informações importantes e auxílio ao controle de equipamentos. Odores podem ser desagradáveis, originados em banheiros sem ralo sifonado e com pouca ventilação, sendo importante que o projeto evite ventilação que ela leve o mau cheiro para dentro das áreas de permanência prolongada. O “cheirinho de limpeza” pode ser potencializado por produtos químicos, mas é a boa ventilação cruzada que, efetivamente, renova os ares internos.

 

É fundamental compreender, também, que moradia não é só a unidade habitacional particular, mas todo o entorno que faz parte dos percursos de vida e que se estendem até outros bairros, definindo as comunidades onde cada cidadão está inserido.

 

Sendo assim, vale observar quais são as oportunidades de interações sociais positivas para a pessoa idosa nas imediações da sua moradia, desde áreas de cultura e lazer até o comércio local, com calçadas que ofereçam boa condição de caminhabilidade. Esse conceito diz respeito à acessibilidade de quem anda a pé e envolve a adequação do ambiente físico às diferentes condições de funcionalidade de cada indivíduo, considerando pavimentação, dimensões, sinalização, mobiliário urbano e perspectivas ao longo do percurso.

Portanto, apesar de esses conceitos serem importantes em qualquer idade, tornam-se fundamentais na velhice, quando o declínio de capacidades exige mais cuidado sem que a autonomia e o desejo de tomar decisões seja prejudicado. O envelhecimento no local onde haja familiaridade,  Age in Place, é sempre preferível e deve ser considerado por mais tempo possível até quando, se o cuidado intensivo for necessário, a mudança para moradias assistidas for a melhor solução. Afinal, uma moradia digna na velhice é direito de todos, na perspectiva de uma vida saudável e segura.

Referências:

ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas. NBR 9050 – Acessibilidade a edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos. Rio de Janeiro: ABNT, 2020.

BESTETTI, M.L.T. Ambiência: espaço físico e comportamento. Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia, v. 17, n. 3, p. 601–610, 2014.

WAHL, H.W.; IWARSSON, S.; OSWALD, F. Aging well and the environment: toward an integrative model and research agenda for the future. Gerontologist, v. 52, n. 3, p. 306-16, 2012.

Violência contra a Pessoa Idosa

Violência contra a Pessoa Idosa

A violência contra a pessoa idosa é tema da agenda política, configura-se como um importante problema de saúde pública e representa um fenômeno socioeconômico-cultural complexo e diverso. Relaciona-se diretamente com a situação de saúde e de qualidade de vida do idoso. Pessoas em idade avançada, dependentes financeiramente e com algum grau de dependência funcional e/ou comprometimento cognitivo tornam-se mais vulneráveis a sofrerem algum tipo de abuso e maus-tratos (Minayo, 2015).

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a violência contra a pessoa idosa é definida como “ações ou omissões cometidas uma vez ou muitas vezes, prejudicando a integridade física e emocional da pessoa idosa, impedindo o desempenho de seu papel social”.

O Estatuto do Idoso (Lei Federal nº 10.741, de 01 de outubro de 2003) declara que: “violência contra o idoso é qualquer ação ou omissão praticado em local público ou privado que lhe cause morte, dano ou sofrimento físico ou psicológico” (cap. IV, art. 19, § 1º). Diz também que: “Os casos de suspeita ou confirmação de violência praticada contra idosos serão objeto de notificação compulsória pelos serviços de saúde públicos e privados à autoridade sanitária, bem como serão obrigatoriamente comunicados por eles a quaisquer dos seguintes órgãos: autoridade policial, Ministério Público, Conselho Municipal do Idoso, Conselho Estadual do Idoso e Conselho Nacional do Idoso” (art. 19).

 

Cotidianamente são noticiados casos e situações de violência contra a pessoa idosa, sendo observado aumento significativo das denúncias durante a atual pandemia de COVID-19.

 

O canal da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, que recebe denúncias de violações dos direitos e que dissemina informações sobre os direitos de grupos vulneráveis (Módulo Idoso do Disque 100), registrou 48,5 mil denúncias de violência contra a pessoa idosa no ano de 2019. No final de 2020, em função do isolamento social imposto pela pandemia, esses registros aumentaram 53%, passando para 77,18 mil casos. No primeiro semestre de 2021, o número de registros ultrapassou 30 mil denúncias. De janeiro a maio deste ano o número de chamados no país já foi de 28.224.

A violência se manifesta nas formas: estrutural, que é resultante da desigualdade social, das dificuldades advindas da pobreza, miséria, e da discriminação; interpessoal, que se reflete nas relações cotidianas, especialmente dentro da família; e institucional, que se reflete na aplicação ou ausência da gestão das políticas públicas sociais pelas instituições de saúde e de assistência, públicas ou privadas.

As situações de violência contra a pessoa idosa acontecem principalmente dentro das casas e, em sua maioria, elas são cometidas por filhos, netos ou outros familiares, pessoas com as quais possui laços e confia. São potencializadas pela rotina estressante, pela sobrecarga e pelo despreparo dos cuidadores. Com frequência o idoso não reconhece e nem se enxerga na condição de vítima.

A violência pode ser classificada como visível ou invisível, ou seja, as que causam sofrimento, que machucam, deixam marcas e as que são imperceptíveis aos olhos. Essas provocam danos psicológicos incalculáveis, refletindo em sentimentos de medo, tristeza, desesperança, angústia, culpa e, frequentemente, depressão. As violências mais comumente observadas são a negligência, a física ou psicológica e a financeira.

A violência é, portanto, o contrário dos direitos assegurados no Estatuto do Idoso, apresentados no Capítulo II, art. 10, § 2º: “O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, de valores, ideias e crenças, e dos espaços e dos objetos pessoais” e §3º: “É dever de todos zelar pela dignidade do idoso, colocando-o a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor”.

 

Natureza da violência

 

  • Abuso físico: é o mais visível, caracterizado por lesões corporais, empurrões, beliscões, tapas e agressões com armas de fogo ou arma branca, que resultam em traumas que podem levar à hospitalização ou morte.
  • Abuso psicológico: caracterizado pela relação desigual, de humilhação, menosprezo, desprezo, preconceito e discriminação que resultam em tristeza, isolamento, sofrimento mental e solidão, e que podem levar à ideação suicida, tentativas de suicídio, ou efetivamente a morte. É verbalizado com expressões como estas: “Você não presta para nada”, “Você é um fardo, só dá trabalho”, “Você é um peso”, “Você já deveria ter morrido”.
  • Abandono: acontece quando o idoso é retirado de seu ambiente/casa contra sua vontade; quando é privado de convívio com a família e das relações familiares, permanecendo isolado fisicamente; quando é institucionalizado contra sua vontade; quando é desassistido ou privado de alimentação, água, higiene, medicamentos e outras necessidades, antecipando a imobilidade e apagando sua personalidade, ocasionando seu adoecimento e morte.
  • Negligência: quando o idoso é abandonado à própria sorte, isolado do convívio de seus pares, vive em ambientes inadequados às suas necessidades, com falta/omissão ou precariedade de cuidados à sua saúde, cometida por familiares ou instituições ou no atendimento dos serviços de saúde.
  • Abuso econômico-financeiro e patrimonial: geralmente se associa a outras formas de violência. É caracterizado pela apropriação indébita de dinheiro, aposentadoria ou pensão do idoso; quando familiares e ou pessoas próximas forçam procurações para tutelar o idoso e retirar seu acesso aos bens patrimoniais; venda de bens e imóveis sem o consentimento do idoso.
  • Violência sexual: quando a vítima é estimulada ou utilizada para obtenção de excitação, com beijo forçado, atos sexuais sem consentimento e bolinação do corpo. Menos comum, cerca de 1% dos casos, a maioria envolve mulheres, com problemas cognitivos e institucionalizadas. Ocorre em casa e são cometidos por pessoas da família ou em residências geriátricas.
  • Violência autoinfligida e autonegligência: quando o idoso se isola, recusa-se a banhar-se, alimentar-se, medicar-se, demonstrando não querer viver. Pode se expressar em ideação suicida, levar à tentativa de suicídio ou até a consumação da morte. Associa-se a desvalorização, negligências, abandono e maus-tratos.

Importa destacar que as violências se manifestam de modo cumulativo!

 

Como podemos enfrentar a violência contra a pessoa idosa? Com estratégias para a prevenção!

 

O “Manual de Enfrentamento à Violência Contra a Pessoa Idosa. É possível prevenir. É necessário superar” (Minayo, 2014) reforça a importância do engajamento de toda a sociedade e sugere algumas estratégias para a prevenção:

 

  • Investimento numa sociedade para todas as idades, ou seja, que não privilegie apenas os idosos, mas sim a todas as gerações, alcançando suas necessidades e promovendo ações concretas para promover qualidade de vida.
  • Os direitos das pessoas idosas devem ser priorizados pelo governo.
  • Os idosos, principais interessados, devem fazer parte, serem ouvidos, serem protagonistas, atuantes em tudo que disser respeito a si. “Nada sobre nós sem nós”.
  • Apoio às famílias que abrigam idosos, por meio de adaptação das casas (com o intuito de prevenir dependências ocasionadas por acidentes domésticos); mudança de comportamento (por meio da sensibilização de toda a sociedade sobre o processo de envelhecimento, com o intuito de desconstruir os preconceitos e prevenir situações de violência) e apoio aos cuidadores familiares (por meio de serviços públicos de assistência domiciliar, formação e orientação dos profissionais e suportes institucionais).
  • Criação de espaços sociais seguros e amigáveis, fora de casa, que privilegiem segurança e acessibilidade.
  • Formar profissionais de saúde, assistência e cuidadores profissionais. É preciso investir na formação adequada para compreensão do fenômeno do envelhecimento e das possibilidades de velhices, com visão interdisciplinar.
  • Prevenção de dependências, por meio de promoção de saúde.

 

Referências

 

Minayo MCS. Violências visíveis e invisíveis contra pessoas idosas em idade avançada. In: Netto MP, Kitadai FT (eds). A quarta idade: o desafio da longevidade. São Paulo: Editora Atheneu, 2015. p. 111-26.

Brasil. Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Brasil: Manual de enfrentamento à violência contra a pessoa idosa. É possível prevenir. É necessário superar./ Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República; Texto de Maria Cecília de Souza Minayo. — Brasília, DF: Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, 2014.

Infarto do coração em idosos

Infarto do coração em idosos

Infarto do coração em idosos – os sintomas são sempre os mesmos?

Mais um dia na rotina pesada de um Pronto Socorro. Dra. Clara, trabalhando mais de 10 anos naquele serviço, recebe um novo paciente, agora com uma queixa que não é clássica de nenhum quadro típico. O Sr. Benedicto, já com seus 81 anos, conta que acordou com uma sensação de estômago pesado e empachamento, que tem certeza de que foi devido ao almoço na casa do filho no dia anterior, em que tomou umas cervejas a mais. Durante a tarde passou bem, à noite fez um lanche leve com sua esposa já em sua casa, mas acordou desse jeito. Tomou um medicamento para gases, tentou provocar o vômito, mas nada! Aliás, depois dessa tentativa, acha que até ficou pior e teve uma crise de sudorese. Dona Maria, sua esposa, insistiu para que fosse ao PS, mas ele acha que precisa de um antiácido apenas. Dra. Clara perguntou e Sr. Benedicto comentou que achava os remédios para o colesterol e o diabetes que tomava estavam um pouco fortes. Afinal, o estômago estava mais sensível desde que havia sido ajustada sua prescrição na última visita ao seu médico.

O profissional que tem experiência em emergência sabe: nem tudo que parece, realmente é! Dra. Clara, já imaginando que o Sr. Benedicto poderia ter algo diferente do que ele acreditava, abriu uma linha de investigação mais ampla e o eletrocardiograma – o paciente não entendeu por que fazer este exame – que ela pediu evidenciou o que ele não esperava: estava sofrendo de um infarto do miocárdio!

 

Mas, afinal, isso é muito frequente?

Infelizmente isso é realmente frequente. Como se sabe, o sintoma clássico de infarto agudo do miocárdio é a dor no peito, tipo aperto ou opressão, que pode se irradiar para os braços, a mandíbula ou a “boca do estômago”. Palidez, sudorese, falta de ar podem acompanhar essa dor.

 

Estudos mostram que, em pessoas octogenárias, mais de 40% dos casos de infarto não apresentam o sintoma clássico de dor no peito, enquanto em pessoas com menosde 65 anos este número gira em torno de apenas 10%. Isso ocorre porque pessoas mais idosas apresentam condições clínicas que, além de confundir o diagnóstico com outras patologias, como de origem digestiva, respiratória ou osteomuscular, ainda podem apresentar mais frequentemente condições como diabetes mellitus ou depressão, que alteram a sensibilidade. Medicamentos utilizados para controle de dor ou depressão também causam mudanças na percepção da dor. Além disso, não podemos esquecer que a própria doença aterosclerótica, aquela que forma placas de gordura nas artérias, é mais comum em pessoas acima de 65 anos, facilitando a ocorrência de infarto.

Ocorre ainda que parte dos idosos talvez tenha algum distúrbio cognitivo (doença de Alzheimer, por exemplo). Desta forma, a interpretação do sintoma e sua comunicação ao profissional que está fazendo seu atendimento tornam-se imperfeitas, levando a erros diagnósticos.

Entre as manifestações que não são clássicas de infarto, devemos prestar mais atenção nestes sintomas em idosos:

  • náuseas;
  • palidez;
  • sudorese excessiva;
  • falta de ar;
  • surgimento de confusão mental;
  • diarreia;
  • indisposição;
  • ou até mesmo ausência de sintomas.

 

Quanto mais idoso o paciente, maior deve ser o cuidado para não deixarmos escapar este diagnóstico. Sabe-se que neste grupo de pessoas o tratamento adequado é essencial para a diminuição de sequelas, que são arritmias, insuficiência cardíaca e declínio de qualidade de vida.

 

Dra. Clara, ao fazer o diagnóstico, iniciou imediatamente o tratamento e encaminhou o Sr. Benedicto para o cateterismo no mesmo momento, afinal fazia poucas horas que os sintomas tinham começado. Tratada a artéria obstruída, com a implantação de um stent coronário, o paciente evoluiu sem alterações. Depois de uma curta estadia na UTI, foi para a enfermaria e recebeu alta após três dias, sem sequelas no coração. Decidiu fazer o tratamento rigorosamente, mas, por via das dúvidas, agora modera na quantidade de cerveja… Afinal, ainda acha que a culpa foi dela!

Frágeis? Todos nós seremos um dia

Frágeis? Todos nós seremos um dia

A síndrome de fragilidade, ou simplesmente fragilidade, é um diagnóstico médico que vem ganhando reconhecimento junto com a chegada do século 21. Pudera, só agora é que realmente a humanidade envelhece de maneira mais consistente. A fragilidade é como se fosse um carro que começa a dar problemas depois de muitos anos de uso. Mas o corpo humano é infinitamente mais sofisticado do que um carro; apesar de sofrer desgastes, as células e suas funções podem ser recuperadas, ou compensadas por outras, tornando-o um universo de possibilidades. Mas, para começar, se não desconfiarmos dela, se torna impossível algum tratamento para sua reversão, ou pelo menos, recuperação parcial.

Talvez você já tenha presenciado na sua vida, algo que seus olhos não sabem bem o que é, mas que pode ser síndrome de fragilidade. Ainda é cedo, e você irá levar sua mãe para a coleta de exames de rotina no laboratório. O jejum dela te preocupa, o seu nem tanto. Tudo flui bem, até que ela é chamada, e você vê que ela se levanta da cadeira com esforço, e caminha com uma breve hesitação, até que ganhe confiança. Você tem um breve pensamento, te lembrando como ela envelheceu. Talvez as pernas dela tenham afinado, será que perdeu músculos? Outra possibilidade: você tinha no seu avô um ótimo, companheiro de saídas para mercados, jantares familiares, pequenas viagens, mas agora ele prefere ficar em casa, pois se já não está cansado, tem medo de se cansar demais. Pois o que parece compatível com o envelhecimento, nem sempre é. O mais importante, pode ser tratado e melhorado.

 

Como identificar a fragilidade

Existem cinco sinais possíveis de serem observados por qualquer idoso ou familiar que podem ajudar na procura médica no momento adequado.

  1. Perda de peso: emagrecimentos discretos como 5% do peso total em um ano, podem ser sinais indiretos da fragilidade. Se houve intenção de perder peso, que bom. Se não houver fica o alerta. Só enfatizando: uma pessoa idosa de 60kg que perca 3kg, é uma pessoa que pode estar em risco para fragilidade, e o mais importante, pode passar desapercebido, ou se percebido, pode se dar pouca importância a isso.
  2. Lentidão: com o envelhecimento, podemos ficar realmente mais lentos e um profissional médico pode testar a velocidade da marcha e constatar se a velocidade está anormalmente baixa.
  3. Fraqueza: também acontece com o envelhecimento, mas a perda muscular pode ter sido inadequadamente acentuada com o processo de envelhecimento, tornando o desempenho muscular abaixo do esperado.
  4. Exaustão: a queixa constante de cansaço, acompanhada muitas vezes da negativa a programas familiares que antes eram rotineiros, podem ser uma pista importante. Não pense que é manha. A exaustão é real, principalmente explicável por ineficiência das células em produzir energia para as atividades cotidianas.
  5. Inatividade física: é nítido que estar em movimento denota ótima saúde. Por sua vez, buscar o recolhimento ou passar horas e horas sentado ou deitado são um sinal de que algo não está bom, e merece uma avaliação.

Qualquer dos sinais acima, mesmo se apresentados isoladamente, já merecem avaliação médica. Assim como para o câncer, diabetes ou qualquer outra doença secularmente conhecida, quanto antes ocorre uma intervenção, maiores são as chances de sucesso.

 

Quão comum é a fragilidade?

Pois bem, a fragilidade não é uma condição exclusiva do envelhecimento, mas uma vez que advém de desgastes metabólicos, ela é mais provável na velhice. Aliás, é tão provável, que a estimativa é de que de 14-24% de uma população idosa possa ser acometida por essa condição. A sua condição “irmã caçula” é chamada de pré-fragilidade e pode ocorrer em mais de 40%dos idosos. Sim, é grande a chance de desenvolvermos fragilidade. Mas então, como saber quem pode estar em risco.

Dizer que ser do sexo masculino, ter ido à escola e completado o máximo possível do calendário escolar, ter adquirido altos salários, nesse momento talvez não seja um parâmetro útil. Esses fatores são protetores, mas existem diversos outros que podemos modificar a qualquer momento da vida. Portanto, como preveni-la?

 

Como prevenir a fragilidade?

 Uma ingestão de quantidade de proteínas adequada na vida, nem pouco, nem muito, é algo que promove proteção a fragilidade.

  1. O consumo de açúcar comedido é um fator de equilíbrio e importante de proteção.
  2. A dieta do mediterrâneo tem como premissas boas quantidades de carboidratos de qualidade. É rica no consumo de vegetais, tem rica ingestão de carnes magras e frutas, mas só o fato de consumir vegetais isoladamente pode já ser bom.
  3. Um bom suporte social, ter amigos e família por perto protege dos adoecimentos.
  4. A atividade física, isto é, estarmos em movimento. Pode ser caminhando mais, praticando modalidades esportivas ou academia.

 

Quando procurar ajuda médica?

Se você percebe indícios de que há algum idoso que pode ser frágil na família, uma medida importante é a procura de um geriatra, que é atualmente o especialista habilitado para tratar essa condição. Existem perspectivas sólidas de melhorias e tratamentos, baseadas em modificações de estilo de vida, sem a necessidade de medicamentos específicos. Possivelmente a intervenção incluirá uma equipe multiprofissional que irá abranger os aspectos importantes da melhoria do idoso. O tratamento também vai incluir sempre o olhar minucioso sobre as doenças que acometem o indivíduo e o uso de seus medicamentos, pois esses ajustes são componentes fundamentais na melhoria dessa condição. Não haverá uma resposta satisfatória a uma intervenção multiprofissional se alguma doença mal controlada ou o efeito indesejável de algum medicamento acometer o indivíduo de maneira que o impeça de aderir às modificações sugeridas.

Um último ponto, frágeis todos seremos, e se tudo der certo vai ser por muito pouco tempo, bem no finalzinho de muitas décadas de vida muito bem vividas, com alegria, propósito e a família por perto.

 

Embolia Pulmonar – todos nós estamos sujeitos

Embolia Pulmonar – todos nós estamos sujeitos

Embolia pulmonar, uma doença muito comum e que é pouco diagnosticada, deve ser lembrada sempre!

Sr. João Carlos, 75 anos, chegou ao Pronto Socorro com queixa de dor no peito intensa e falta de ar que surgiram de repente. Foi trazido por causa do medo de ser infarto do miocárdio, mas assim que fez o eletrocardiograma ficou aliviado: não era infarto! Mas, afinal de contas, o que poderia causar um quadro tão severo?Ele conta que há cinco dias apresentou uma queda por ter tropeçado na guia da calçada de sua rua. Procurou o mesmo Pronto Socorro onde fez radiografias diversas e, por causa de uma lesão no ligamento do joelho direito, foi medicado com analgésicos, orientado a fazer repouso e iniciar fisioterapia. Ora, como apesar dos analgésicos o joelho permanecia doendo muito ao dobrar, ele optou por colocar um imobilizador e permanecer o mais quieto possível até iniciar a fisioterapia dali a duas semanas… Os médicos suspeitaram de embolia pulmonar. A família do Sr. João Carlos já havia ouvido falar disso, mas ficou cheia de dúvidas: afinal, isso é grave?

Quando pensamos em sintomas como dor no peito ou falta de ar naturalmente associamos a doenças do coração, porque são frequentes e potencialmente graves. Mas existem outras patologias que são pouco diagnosticadas e têm uma importância muito grande como origem de sequelas ou causa de morte. Certamente entre elas está o tromboembolismo pulmonar, mais conhecido como embolia de pulmão.

 

Como acontece a embolia de pulmão?

Para entender esta pergunta, precisamos lembrar que o sangue venoso volta ao coração e é bombeado aos pulmões para que seja novamente oxigenado. As veias das pernas e da pelve podem desenvolver coágulos em determinadas situações, que vão se deslocar de sua origem e, passando pelo lado direito do coração, serão encaminhados aos pulmões, entupindo artérias que o irrigam. Neste momento existe sofrimento do órgão, gerando dor, e piora de seu funcionamento, acarretando falta de ar. Vide a figura abaixo:

 

Embolia do pulmão
Embolia do pulmão

As situações que facilitam o desenvolvimento de coágulos nas veias incluem aquelas em que a velocidade de fluxo sanguíneo está diminuída, a viscosidade do sangue está mais alta ou quando por algum motivo existe uma tendência maior a se criarem coágulos, chamados de estados de hipercoagulabilidade.

Exemplos de tais situações são a imobilização, principalmente de membros inferiores, a desidratação ou doenças que determinam maior facilidade de produzir coágulos, como no câncer ou alterações genéticas familiares. Segue abaixo uma lista de situações predisponentes:

  • imobilização secundária a trauma ou cirurgia de membros inferiores;
  • voos com duração maior que 6 horas;
  • desidratação;
  • algumas doenças do sangue em que haja aumento da quantidade de glóbulos vermelhos;
  • doenças pulmonares;
  • insuficiência cardíaca;
  • terapia de reposição hormonal ou uso de anticoncepcionais orais;
  • neoplasias (câncer);
  • doenças genéticas e familiares que predisponham essa condição.

Toda embolia de pulmão se apresenta da mesma forma?

Como se costuma dizer no meio médico, só é possível fazer o diagnóstico de embolia pulmonar se esta possibilidade for lembrada, porque as manifestações da doença são inespecíficas (podem ocorrer em diversas outras doenças), os sinais clínicos são pouco marcantes e os exames mais corriqueiros, presentes na maior parte dos serviços médicos, pouco ajudam. Para se ter ideia, esta ainda é uma causa frequente de óbitos que só são esclarecidos em autopsias. Os sinais clínicos mais frequentes relacionados à embolia pulmonar são:

  • Dor torácica;
  • Falta de ar;
  • Tonturas e perda de consciência;
  • Palpitações;
  • Tosse;
  • Febre;
  • Fadiga;

Para fazer o diagnóstico, o emprego de exames complementares, tanto laboratoriais como de imagem, aumentam muito a assertividade. Alguns exames são de importância especial como o Dímero D, exame de sangue que mostra presença de coágulos dentro da circulação e se apresenta aumentado na embolia pulmonar. O resultado normal deste exame potencialmente exclui a possibilidade da doença. Outra investigação importante de ser checada é a troponina, enzima do coração que pode aumentar em embolias maiores e está relacionada ao prognóstico da doença. Quando alterada, podemos imaginar que a embolia é mais extensa. Pode causar confusão com o infarto do miocárdio, que é a outra condição mais frequente de elevação deste marcador.

Exames de imagem mais comuns, como eletrocardiograma ou radiografia de tórax devem ser realizados, mas na maioria das vezes não trazem alterações que sejam clássicas de embolia pulmonar. São importantes para afastar outras causas como infarto, pneumonia entre outras causas de dor torácica.
O melhor exame para o diagnóstico adequado é a tomografia de tórax com contraste. Através das imagens obtidas, é possível encontrar os locais onde houve a obstrução dos vasos pelos coágulos (chamados de êmbolos) que vieram das veias calibrosas das pernas ou da pelve.

Embolia pulmonar tem tratamento?

Sim, sem dúvida! O tratamento da embolia pulmonar deve ser iniciado assim que é feito o diagnóstico e vai depender da gravidade do quadro que o paciente apresenta. Para aqueles que têm repercussão importante como perda de consciência, queda importante da oxigenação ou redução significativa da pressão arterial, sinais que sugerem maior comprometimento, a tentativa de retirada das obstruções através de medicamentos que dissolvem os coágulos ou de procedimento de retirada dos mesmos através de um tipo de cateterismo se impõe. Mas na maioria dos casos a instituição de medicamentos anticoagulantes será suficiente, e visa reduzir o risco de extensão desses coágulos obstrutivos e da possibilidade de novos êmbolos chegarem aos pulmões. O tratamento com anticoagulantes costuma se estender por meses e eventualmente pode ser necessária sua manutenção para o resto da vida.

Existem meios de se evitar a embolia pulmonar?

Quando pensamos que a formação de coágulos tem fatores que facilitam seu aparecimento, sabemos que se os evitarmos nós teremos menos chance de desenvolver a doença. Manter hidratação adequada, usar meias elásticas, que diminuem a quantidade de sangue “estagnado” nas veias das pernas, e movimentar-se, são exemplos de atitudes simples que terão impacto. O conselho vale principalmente para pessoas que estejam sob risco, como aquelas estejam se recuperando de cirurgias ortopédicas, pacientes com algum tipo de câncer, doença pulmonar ou insuficiência cardíaca. Em alguns casos, medicamentos anticoagulantes – que “afinam o sangue” – podem ser indicados. Seu médico saberá orientar o melhor meio de prevenção. Quando não é possível o uso de anticoagulantes, pode-se considerar o implante de filtros nas veias, que funcionam como um “guarda-chuva” e não permitem que os êmbolos cheguem aos pulmões.

E o Sr. João Carlos, como ficou?

A equipe do PS rapidamente colheu exames e encaminhou o paciente para fazer a tomografia de tórax com contraste. Lá confirmaram o diagnóstico, compatível com os achados dos exames de sangue, que mostraram Dímero D aumentado, mas troponina normal. Passou a receber anticoagulantes, tratamento de suporte com oxigênio e fisioterapia e foi de alta em cinco dias após ter melhorado, usando medicações anticoagulantes orais. Se não tivesse feito o diagnóstico correto, certamente o quadro poderia ter se agravado e o levado a risco de ficar com alguma sequela (como falta de ar crônica, arritmia ou insuficiência cardíaca) ou mesmo risco de morrer.

Então, não deixe de avaliar os sintomas torácicos que surjam de repente, principalmente se houver algum fator que facilite formação de coágulos. O médico saberá como investigar!

Dor de cabeça?  Quando me preocupar?

Dor de cabeça? Quando me preocupar?

O texto a seguir tem o caráter meramente educativo e não é uma consulta médica. Caso você tenha dúvidas ou necessidade de tratamento é essencial que procure um médico ou um pronto atendimento de confiança.

Dor de cabeça (ou cefaleia) é a queixa mais comum na Neurologia. Praticamente todas as pessoas já tiveram dor de cabeça pelo menos uma vez na vida!

Por ela ser tão comum, várias vezes recebo no consultório ou no pronto-atendimento pessoas muito preocupadas que a dor seja causada por algo catastrófico.

Felizmente, na maioria das vezes não há qualquer causa grave por trás da dor de cabeça e ela pode ser tratada sem maiores problemas. Agora, você deve estar se perguntando: “como eu faço para saber se a minha dor de cabeça  envolve maior ou de menor risco?” Essa é uma excelente pergunta e, graças a estudos bem consolidados na prática neurológica, já tem resposta!

 

As Bandeiras Vermelhas

 

Apesar das pessoas normalmente não se darem conta, dores de cabeça podem variar muito! Algumas características costumam aparecer nas cefaleias sem gravidade, enquanto outras acontecem mais em casos graves. É para esse segundo grupo que precisamos voltar a nossa atenção. Chamamos de bandeiras vermelhas! Caso você identifique uma ou mais dessas bandeiras, minha sugestão é que vá imediatamente a um pronto atendimento da sua confiança (ainda melhor se tiver neurologista) para que tenha logo uma avaliação médica.

Como são vários os sinais de bandeira vermelha, costumo dividir em  três grupos para facilitar a memorização. O primeiro diz respeito às características da pessoa e ligadas aos problemas de saúde que ela já tem. Vamos chamar de bandeiras vermelhas da pessoa. O segundo grupo se refere às próprias características de dor de cabeça mais perigosas. Vamos chamar esse grupo de as bandeiras vermelhas da cefaleia. Para completar, o terceiro grupo são outras situações clínicas ou neurológicas que surgem junto da dor que vamos chamar de bandeiras vermelhas de sintomas associados.

 

Primeiro: Bandeiras vermelhas da pessoa

 

1. Início da dor após 50 anos

Um fato interessante que as pessoas não costumam conhecer é que a dor de cabeça acontece muito mais em jovens e tende a se tornar menos frequente com o passar dos anos. Quando identificamos uma dor de cabeça nova em uma pessoa com mais de 50 anos (ou seja, que ela nunca teve antes) precisamos ligar o alerta, pois sabemos que causas graves têm maior chance de acontecer nesses casos.

 

2. Cefaleia após Trauma craniano

A dor de cabeça é comum após o traumatismo craniano e geralmente vem ligada ao trauma em si. No entanto, como todas as outras lesões traumáticas, esperamos que ela diminua ao longo dos dias após ao evento. Caso isso não aconteça ou a dor piore, devemos procurar ajuda, especialmente se a pessoa estiver com alteração do nível de consciência, para afastar problemas mais sérios, como o surgimento de hematomas intracranianos.

 

3. História de câncer

Somente o fato de a pessoa ter uma história de câncer (mesmo que tratado e curado) demanda maior atenção. O tumor cerebral mais comum é o metastático. Uma pessoa com histórico de câncer deve redobrar a atenção para as características da dor de cabeça e ter uma maior prontidão para procurar atendimento médico do que uma pessoa comum.

 

4. Pessoa imunosuprimida

De modo geral, pessoas imunosuprimidas estão em maior risco de ter complicações neurológicas, especialmente infecciosas, como meningites, abscessos cerebrais, toxoplasmose, entre outras. Quando falamos em imunossupressão, nos referimos a situações que claramente reduzam a imunidade, como uso de medicamentos imunossupressores, como azatioprina, micofenolatomofetil e os imunobiológicos, que são usados nas doenças autoimunes. Também pessoas que foram transplantadas devem ficar atentas para as suas dores de cabeça. Finalmente deve chamar a atenção, o HIV, especialmente nos casos em que o nível de CD4 está muito baixo (que acontece quando a doença não está controlada).

 

5. Gravidez ou pós-parto

A dor de cabeça na gestação também deve ser vista com atenção, visto que nessa fase há também uma redução da resposta imune da gestante e pode haver um risco aumentado de tromboses (incluindo a trombose cerebral).

 

Segundo: Bandeiras vermelhas da cefaleia

 

1. Início abrupto

As dores de cabeça mais comuns e menos graves habitualmente começam fracas e vão aumentando lentamente ao longo do dia, podendo até se tornar fortes e prejudicar a pessoa nas suas atividades habituais. Existem casos, porém, em que a pessoa está absolutamente sem dor ou com uma dor muito fraca e, subitamente, ela se torna muito forte, às vezes a pior da vida do paciente. Alguns descrevem como se um trovão tivesse caído na cabeça. Por esse motivo, chamamos esse tipo de apresentação de cefaleia em trovoada (ou thunderclap). A característica comum desse tipo de dor é como se uma pontada muito forte atingisse a cabeça ou o pescoço. Se uma dor desse tipo acontecer com você, pare imediatamente o que está fazendo e vá para o pronto atendimento mais próximo. Esse é talvez o padrão de dor mais sugestivo de causas graves para a dor de cabeça. Nessas horas uma atuação médica rápida pode ser literalmente a diferença entre a vida e a morte!

 

2. Dor de cabeça inédita ou novo padrão

Virtualmente todas as pessoas já tiveram ou terão algum tipo de dor de cabeça. Ter uma dor de cabeça que se repita com as mesmas características de tempos em tempos pode acontecer e é um fator de menor gravidade. Entretanto, deve-se tomar cuidado quando o padrão da dor se modifica em relação ao habitual. Nesses casos a melhor coisa a ser feita é ir ao hospital para investigar.

Uma segunda situação comum é quando a pessoa tem a cefaleia pela primeira vez. Muitas vezes a dor tem características benignas, mas de modo geral, mesmo assim, vale a pena uma primeira investigação no pronto atendimento para afastar as causas graves.

 

3. Dor de cabeça posicional

A dor de cabeça que piora quando a pessoa muda de posição pode representar um sinal de alarme. A mudança de posição pode ser tanto da posição deitado ou sentado para em pé como o inverso. Podem representar um problema mais grave como hipertensão ou hipotensão intracraniana e precisam ser investigadas melhor. Cabe aqui a ressalva de que a dor deve claramente piorar com mudança de posição para despertar maiores suspeitas.

 

4. Causada por espirro, tosse, exercício ou sexo

Na mesma linha da dor de cabeça que piora quando a pessoa deita, uma cefaleia que se inicia em uma dessas situações pode estar ligada a aumento da pressão intracraniana e deve ser melhor investigada. Isso porque essas situações causam um aumento na pressão no abdome e, em consequência, no sistema nervoso central. Em situações normais, não há nenhum problema  em espirrar ou na atividade sexual, pois o cérebro tem uma boa capacidade de adaptação, mas em pessoas que tem uma pressão intracraniana mais alta, podem ser suficientes para causar uma dor de cabeça mais forte. Caso uma dessas atividades cause uma cefaleia forte e de início agudo, a urgência para procurar o pronto atendimento deve ser ainda maior.

 

5. Dor de cabeça progressiva

Outro problema que chama atenção é quando a pessoa tem uma dor de cabeça que piora progressivamente. O que mais preocupa é quando a progressão é aguda (em poucos dias) ou subaguda (em poucas semanas) e essas situações devem ser analisadas cuidadosamente pelo neurologista no pronto-socorro. No entanto, mesmo a dor que progride cronicamente (ao longo de meses) merece atenção especializada, mas isso pode ser feito no consultório.

 

6. Cefaleia muito intensa

Um fato que pode parecer óbvio, mas que chama atenção do médico no pronto atendimento é quando o paciente fala que a cefaleia é a pior da vida ou mais forte do que o habitual. De modo geral esse fator por si só já leva a pessoa ao pronto atendimento para tratamento rápido da dor, mas também é muito relevante e requer investigação de possíveis causas.

 

Terceiro: Bandeiras vermelhas dos sintomas associados

 

1. Alteração neurológica – sonolência, confusão mental, perda de funções

Além da dor de cabeça, que também é um sintoma neurológico, outras queixas neurológicas surgindo junto ou próximas a dor de cabeça são sinais de alarme. Pode parecer meio óbvio que alguém que tem uma dor de cabeça e perda de força em um lado no corpo deve ir ao pronto-socorro, mas outros sintomas são menos óbvios. Por exemplo: a sonolência excessiva é relativamente comum na população geral, mas caso ela surja no contexto de uma dor de cabeça nova, deve ser vista como um fator de alarme. Confusão mental também é outro sinal de alarme quando vem junto com dor de cabeça. É muito comum que idosos entrem em estado confusional agudo quando têm uma infecção, mas também várias outras causas de confusão podem se associar à cefaléia.

2. Sintomas sistêmicos – febre, rigidez de nuca, dor no peito, perda de peso

Sintomas do restante do organismo também são um marcador de possível gravidade da dor de cabeça. Febre, especialmente quando não encontramos nenhum outro foco para a infecção pode sugerir um diagnóstico de meningite, especialmente se o paciente também tem rigidez de nuca. Se, além disso, ainda a pessoa tem outros marcadores de gravidade, como confusão mental ou sonolência, está armado o teatro para um quadro neurológico mais sério.

Dor no peito pode acontecer junto com a dor de cabeça e pode sugerir tanto causas graves de dor de cabeça, como também o temido infarto agudo do miocárdio. Só lembrando, dor no peito, por si só indica que a pessoa vá imediatamente ao Pronto Atendimento para avaliação de um possível infarto.

Outro item que chama atenção para a dor de cabeça é perda de peso importante nos últimos meses. Quando digo importante, me refiro a uma perda de acima de 5 a 10% por cento do peso em alguém que não tem essa intenção (que não está comendo menos e que não fez cirurgia bariátrica recente).

3. Olho doloroso com sintomas autonômicos

Finalmente, sintomas oculares agudos, como olho doloroso e vermelho, alteração visual aguda ou lacrimejamento excessivo que vêm juntos com uma dor de cabeça devem ser vistos como um sinal de alarme e investigados no pronto atendimento em conjunto com um oftalmologista. Glaucoma é um dos diferenciais que devem ser feitos e caso exista, deve ser tratado rapidamente. Só um detalhe: óculos mal ajustados não costumam causar nada além de uma cefaleia leve.

 

Referências

  • Wootton RJ, Wippold II FJ. Evaluation of Headache in Adults. UpToDate – Headache
  • Chou DE. SecondaryHeadacheSyndromes. Continuum (2018); 24 (4), p. 1179-1191