Talvez por ingenuidade, ou por prepotência, achamos que já nascemos dotados com toda a informação necessária e suficiente para desempenharmos algumas funções de modo perfeito.
Quando minha filha nasceu, só fui descobrir que a maternidade não era inata, intuitiva e perfeita, tempos depois. Tinha certeza de que poderia identificar a razão do choro, do desconforto e, lógico, teria todas as respostas. Assim é com o sexo.
Já nasci sabendo. Não é instinto? Aprender, treinar, evoluir, bobagem! Quanto tempo nós perdemos com esse tipo de pensamento e as atitudes dele advindas. Levamos anos para aprender um ofício, uma nova língua. Assimilamos com esforço e, se não praticarmos, se não nos atualizarmos, perdemos a fluência, o traquejo. Ficamos desatualizados e ineficientes.
Esse olhar tão diferente me surpreende, sempre. O instinto sexual existe, assim como a fome, o sono, e a necessidade de interação social. E a primeira dica é essa: Veja a vivência da sexualidade como uma habilidade a ser desenvolvida e literalmente treinada ao longo da vida.
Para ser médica foram seis anos de faculdade. Entre residência e outras especializações, mais 8 a 10 anos. Para aprimorar o que aprendi, acrescentar experiência, desenvolver o meu jeito de clinicar e cuidar, são 30 anos.
Sexo se aprende, sim, desde as noções básicas de anatomia, fisiologia até os caminhos mais delicados e complexos da resposta sexual, todos os hormônios e neurotransmissores envolvidos, toda a beleza e dinâmica das interações entre quem eu sou, o que vivi e experimentei e o mundo.
Quanta riqueza, que jornada maravilhosa e gratificante. E essa é minha proposta, quase um desafio para vocês. Farei alguns artigos numa sequência didática e complementar para fornecer informações necessárias para podermos nos graduar com distinção também com relação ao sexo.
Aprender, aprimorar, exercitar. A saúde sexual é um dos pilares do que entendemos como saúde, juntamente com a saúde física, psíquica, espiritual e social. Somos o resultado da interação desses fatores, e a sensação de felicidade, bem estar, depende do equilíbrio entre eles.
Hoje, começo com anatomia, ou seja, quais são os órgãos relacionados à biologia do sexo. Deixarei, de propósito, o cérebro para outro artigo. Sim, o cérebro é o principal órgão envolvido nessa sinfonia. É o maestro, e merece um capítulo a parte.
Sexo também se aprende: Anatomia feminina
Órgãos genitais internos e externos
Sexo também se aprende: Anatomia masculina
Órgãos genitais internos e externos
Vou chamar a atenção para um pequeno órgão, às vezes subestimado ou até negligenciado. O clitóris.
Sexo também se aprende: Anatomia do clitóris
O que ele tem de tão especial? Um vulcão de sensações.
A pequena parte visível, a glande, reúne centenas de terminações nervosas o que o torna muito sensível e capaz de gerar, quando bem estimulado, muito prazer. Lembre-se de explorá-lo em sua totalidade.
E agora, doutora, nós ficaremos somente nas preliminares? Sim, por hoje. Preliminares quando caprichadas e sem pressa são um bom caminho para o prazer.
A audição na velhice tem ligação com a história, arte, música e neurologia.
Historicamente a música apresenta uma característica social e coletiva ímpar. Possivelmente conferiu vantagem evolutiva à espécie humana pela capacidade em agrupar indivíduos, transmitir arte e conhecimento por gerações. Jean-Jacques Rousseau, filósofo e compositor, em seu Ensaio sobre a origem das línguas sugeriu que a fala e o canto não se distinguiam entre os homens primitivos. Darwin acreditava que a música precedeu a comunicação da linguagem falada propositiva.
Existem campos de pesquisa sobre o modo de comunicação dos neandertais, nos quais se invoca a possibilidade de sociabilidade entre os indivíduos naquela época através de melodias e sons tonais. Portanto, infere-se que a música surgiu antes da linguagem estruturada de forma gramatical, falada ou escrita. Outros pesquisadores atribuem a música como subdomínio do campo da linguagem e teria surgido posteriormente. O que sabemos é que está presente de forma onipresente durante o desenvolvimento de nossa história.
Seria a música uma característica intrínseca dos seres humanos? Aparentemente não. Sabemos que outros animais se comunicam através de sons melódicos, sendo as aves a principal e mais desenvolvida classe, ao qual apreciamos seu canto desde os primórdios da humanidade. Seria, portanto, uma característica peculiar dos seres vivos do planeta Terra? Pode ser que sim. Não sabemos.
Uma passagem interessante do livro O Fim da Infância de Arthur Clarke (1953) discorre sobre uma invasão alienígena que, diferentemente do clichê Hollywoodiano, busca ajudar o desenvolvimento da humanidade através do compartilhamento de avançado conhecimento científico, social, econômico e liderança política.
Esses seres, chamados “Senhores Supremos”, participam de uma apresentação musical orquestrada de Stravinsky e ficam intrigados, pois não podem reconhecer a música: “Embora tudo o que se sabia indicasse o contrário, era possível que os Senhores Supremos não tivessem o menor ouvido musical. Aconteceu, porém, que, após o concerto, Thanthalteresco [Senhor Supremo] procurou os três compositores cujas obras haviam sido tocadas e os cumprimentou pelo seu ‘grande engenho’, fazendo com que eles se retirassem com expressões satisfeitas, mas vagamente intrigados.”
O som possui características únicas: é gerado através da vibração de um determinado material, propaga-se no ar através de ondas sonoras, que finalmente serão recebidas pelos órgãos auditivos dos animais que os possuem (ou seus análogos de outras espécies).
Compõe-se, basicamente, de altura (agudo ou grave), intensidade (forte ou fraco) e timbre, uma característica qualitativa individual do instrumento ou animal que o produz. Podem organizar-se em ritmo, melodias e harmonias, formando o que conhecemos como música. Quando composta e executada de forma sublime, apresenta alta complexidade de leitura, entendimento e composição, além de gerar componente emocional no interlocutor. O que diferencia a música do ruído, basicamente, é a regularidade de suas ondas sonoras, que são complemente caóticas no ruído, e, portanto, desagradável ao ouvinte.
A despeito de sabermos que sua origem é muito antiga, possivelmente antes ao surgimento do Homo Sapiens, os primeiros registros escritos datam próximo ao século VIII – período musicalmente datado como “música antiga ou medieval”, o Cantochão, que lembra os sons que escutamos atualmente em determinados momentos nas igrejas e abadias.
O canto gregoriano é um dos tipos mais reconhecidos. Ganhou complexidade e evoluiu através dos séculos em música renascentista, barroca, clássica, romântica e, finalmente, nossa música contemporânea dos séculos XX e XXI. O desenvolvimento humano e social sempre foi atrelado à arte, sendo a música um de seus pilares fundamentais. É constante e universal.
Audição na Velhice: Como o cérebro percebe o som e a música
Quais as regiões e sistemas do sistema nervoso central participam de algo tão magnífico?
Sabemos que no ouvido existe um aparelho “captador e amplificador” dos sons, constituído da orelha externa, do tímpano (uma membrana especializada) e seus pequenos ossículos (martelo, bigorna e estribo), que se conectam a cóclea. Esta é responsável por receber as vibrações sonoras externas, transformá-la em sinais elétricos através de células específicas e especializadas. Tais estímulos serão transportados através do nervo auditivo até a região do troncoencefálico, uma estrutura que conecta o cérebro à medula espinhal e possui uma espécie de estações transmissoras especializadas. Assim, o estímulo pode ser transmitido à uma região específica do cérebro responsável pela recepção dos sons localizada no lobo temporal também chamada de “giros de Heschl”, sendo interpretado pelas estruturas adjacentes.
O órgão de Cortifoi descoberto no século XVIII por um italiano homônimo, é uma estrutura chave na recepção dos sons, pois possui capacidade de amplificação, localização espacial e organização tonotópica, isto é, diferentes regiões são capazes de captar alturas diferentes do som. Por exemplo, sua estrutura é em formato de cone, onde a base recebe principalmente os sons mais agudos e no ápice os mais graves. Em relação à origem espacial do estímulo sonoro, existe uma percepção tridimensional do som, desse modo sabemos a localização de uma determinada fonte sonora de olhos fechados ou em um ambiente escurecido.
O que acontece com a nossa audição na velhice?
Certamente isso gerou vantagens adaptativas e evolutivas aos animais. Do ponto de vista das estruturas corticais, observa-se lateralidade. O hemisfério direito possui capacidade em relação à identificação de diferentes tipos de tons, enquanto o esquerdo percebe ritmos. Em média, somos capazes de identificar sons de 20 até 20 mil Hertz, sendo a faixa mais aguda acometida pela nossa audição na velhice, que diferencia 1.400 tipos de tons. Ler o artigo Distúrbios Auditivos e Musicais!
A incontinência urinária e envelhecimento é um problema sem solução?
A incontinência urinária é a incapacidade de reter a urina voluntariamente. Muitos fatores contribuem para o surgimento do problema e a incidência aumenta com a idade.
Além de mudanças próprias do envelhecimento, várias doenças podem aparecer ao longo da vida e contribuir para o surgimento ou agravamento da incontinência.
Nas mulheres, a menopausa contribui para o surgimento do quadro. A redução dos hormônios femininos, os estrogênios, causa atrofia da uretra e da vagina. Além disso, ocorre diminuição da produção de muco, que é uma substância gelatinosa que contribui para a vedação da uretra. O músculo responsável pela continência, o esfíncter, sofre atrofia das suas fibras. Além disso, esta estrutura pode ter sofrido lesões por partos mal assistidos e cirurgias da vagina ou períneo.
Nos homens, as doenças da próstata são fatores importantes. No crescimento benigno, chamado de hiperplasia, ocorre compressão do canal da uretra. A bexiga tem que gerar mais pressão para que a micção ocorra. Sua musculatura sofre hipertrofia e vai desenvolver contrações involuntárias. Isso leva ao aumento do número de vezes que o paciente precisa urinar, além da sensação de ter que ir ao banheiro imediatamente, a urgência urinária. Se essas contrações involuntárias forem muito fortes, o esfíncter pode não suportar essa pressão, resultando no escape da urina.
Em homens idosos com dificuldade de locomoção, esse problema vai ser especialmente importante. A parede da bexiga perde a sua elasticidade e acumula menos urina, o que agrava ainda mais o processo. O tratamento cirúrgico da hiperplasia prostática tem um risco pequeno de prejudicar o esfíncter urinário. Os sintomas decorrentes das alterações da bexiga podem durar até seis meses após a cirurgia.
Nos homens também pode surgir o câncer de próstata. Em muitos casos o crescimento benigno e a doença podem coexistir. A maioria dos tratamentos atuais pode afetar a continência urinaria, normalmente por comprometerem diretamente o esfíncter urinário ou reduzirem a capacidade da bexiga acumular urina.
O envelhecimento contribui com a incontinência urinária
Com o envelhecimento também ocorre redução da capacidade do órgão e aparecimento de contrações involuntárias, condição conhecida como bexiga do idoso. Existe uma tendência à perda de massa muscular generalizada, especialmente em indivíduos sedentários, a sarcopenia. A musculatura da região pélvica também vai sofrer.
O diabetes melitus de longa data pode comprometer a inervação da bexiga e do esfíncter em ambos os sexos. Além disso, o aumento do volume de urina produzida, situação comum no diabetes descompensado, vai agravar qualquer forma de incontinência urinária.
Na mesma linha, medicações que aumentam a produção de urina podem piorar o problema. Diuréticos, por exemplo, muito usados em indivíduos com hipertensão arterial e danos cardiológicos, são complicadores importantes.
A doença de Parkinson também leva ao surgimento de contrações involuntárias da bexiga e, na maioria dos casos, a uma lentidão dos movimentos. Boa parte dos pacientes vai ter essas contrações associadas à dificuldade em chegar ao toalete e abrir as vestes.
Os acidentes vasculares cerebrais ou derrames, assim como as demências, causam incontinência por vários mecanismos. O indivíduo pode perder a percepção da necessidade de urinar assim como o controle dos reflexos necessários para o comando adequado da micção.
Enfim, alimentação saudável, atividade física, não fumar, consumo moderado de álcool, tratamento das doenças da próstata, reposição hormonal se indicado, tudo é importante. Fisioterapia pélvica e até o tratamento cirúrgico pode ser necessário. Procure sempre a orientação do seu médico e não deixe de falar com ele sobre este problema.
Somos seres sexuais e assim o seremos até o final de nossos dias. Difícil de acreditar, não é?
Principalmente porque somos pouco educados com relação a sexo e sexualidade. Sim, são conceitos diferentes. Sexualidade é muito mais amplo e fala sobre essa energia que todos nós carregamos, a energia vital, o tesão.
Sexo é biológico. Função reprodutora comum a todos os animais. Mas para nós, seres humanos, o sexo é também prazer, encontro, vontade, válvula de escape e tanto mais.
Lógico que a forma de vivenciarmos a própria sexualidade varia ao longo da vida. Como todo o mais que somos. A cada etapa, nosso corpo nos oferece uma forma de experimentar o prazer.
O que muda para nós, mulheres, com a menopausa, com o envelhecimento?
Nossos ovários produzem, a partir da puberdade, hormônios que causam mudanças externas, voz, distribuição de gordura, aumento das mamas, e mudanças também na forma como nosso cérebro passa a identificar e responder a estímulos sexuais. Existe uma modulação do nosso SNC devida a esses hormônios, que são o Estradiol e a Progesterona.
Praticamente todos os órgãos do nosso corpo apresentam receptores para esses hormônios que produzimos até a chegada da menopausa. A maioria das mulheres menstrua até por volta de 50 anos. Nessa faixa de idade, é comum vermos alterações no ciclo menstrual, tanto na duração e volume do sangramento quanto na regularidade do intervalo entre as menstruações. Esse período de irregularidade menstrual tem duração imprevisível e se chama climatério. Nessa fase, muitas mulheres não apresentam sintomas que possam ser associados a essa perda progressiva da função ovariana. E a menopausa, o que é? É a falência ovariana que se traduz pela perda da capacidade de produção desses hormônios sexuais. Geralmente falamos em menopausa quando a menstruação não aparece por, pelo menos, 12 meses consecutivos.
E agora, doutora, a menopausa chegou, não produzo mais hormônios, e o sexo? Acabou?
Se praticamente todo meu corpo “funciona” com esse combustível que agora não tenho mais, como me adaptar? Existe sexo após a menopausa?
Alguns órgãos acusam precocemente esta diminuição do estrogênio. O tecido que reveste a vagina, a mucosa vaginal, é um desses. Na menopausa, a espessura da mucosa vaginal diminui e isso pode causar desconforto durante a penetração. A lubrificação tende a ser mais escassa e demora mais para acontecer, o que também gera desconforto. Numa fase inicial, um lubrificante comum, de preferência a base de água, costuma ser suficiente para garantir conforto na penetração. Com o tempo precisamos “nutrir” a parede vaginal para que ela não fique tão atrófica e sensível.
Vale dizer que a uretra, que se exterioriza ao lado da vagina, também sofre pela falta de estrogênio, com aumento de incidência tanto de infecções urinárias quanto de graus variados de dificuldade para “segurar” a urina, o que chamamos de incontinência urinária.
Para melhorarmos as condições da vagina e da uretra podemos usar cremes ou óvulos com estrogênio por via vaginal. Esse uso, inclusive, ajuda a manter saudável a flora bacteriana da vagina, o que é importante para evitar alterações no odor em decorrência do crescimento de outros tipos de bactérias.
Estas medidas são simples, destituídas de risco, e facilitam a manutenção de atividade sexual satisfatória na menopausa. O conforto na penetração e a ausência de dor facilitam o desejo e o prazer. Aliás, quando a mulher tem uma relação sexual satisfatória, prazerosa, fica muito mais propensa a pensar em sexo, o que motiva os próximos encontros. Costumo dizer para minhas pacientes que o sexo ajuda a manter a saúde da vagina. Sabem por quê? Durante a excitação existe um afluxo grande de sangue para a região genital, o que melhora a elasticidade da vagina, que também é um fator importante no conforto. Além disso, a realização de exercícios específicos para os músculos da região genital, chamado assoalho pélvico, garantem elasticidade e funcionalidade este será tema de uma próxima conversa nossa. Se o sexo é bom, se não ocorre dor, ardência, fica tão mais fácil querer de novo!
E quanto mais eu quero, mais gostoso fica.
Lógico que o prazer e o desejo não dependem apenas da condição física da vagina. Outros sintomas da menopausa, como as ondas de calor, os fogachos, alterações na qualidade do sono, às vezes no humor, também podem interferir nessa vivência. Assim, retomo algumas dicas que já dei para vocês em outro artigo sobre os Sintomas da Menopausa. Cuidem da sua saúde física e mental!
Invista no relacionamento com sua parceria, divirta-se, tenha uma atitude positiva com relação a essas mudanças todas e lembre-se que o desejo e o prazer nascem muito mais no nosso cérebro do que nos nossos ovários. E sim, o sexo pode ser bom, gostoso, de qualidade em qualquer fase da nossa vida. Basta buscarmos informações adequadas e usarmos os recursos disponíveis.
Não existe hormônio que desperte o desejo em uma relação desgastada, descuidada. Mas o cuidado com seu próprio corpo, informação adequada sobre sexualidade e busca dos recursos disponíveis são importantes para que a menopausa não signifique sexo ausente ou insatisfatório.
Quem acompanha a Eurocopa da UEFA certamente ficou angustiado no último dia 12 de junho ao assistir um caso de síncope e morte súbita, quando aos 42 minutos do primeiro tempo do jogo entre Dinamarca e Finlândia o jogador dinamarquês Christian Eriksen foi de encontro à bola lançada e subitamente caiu de rosto ao chão, sem reação de defesa à queda. Seus companheiros rapidamente se agitaram, pediram atendimento médico e ficaram em torno do jogador, que permaneceu sem sentidos por minutos. Os médicos iniciaram manobras de ressuscitação cardiopulmonar (RCP) por trás de uma barreira que os seus colegas formaram para dar alguma privacidade ao atendimento e o atleta, após alguns minutos, foi retirado de campo em maca para ser encaminhado ao hospital.
https://www.youtube.com/watch?v=6uqpak5aT_A
Eriksen sofreu de Síncope e morte súbita
A perda súbita de consciência, chamada síncope, o popular “desmaio”, tem algumas causas. Alterações cardíacas, neurológicas e as chamadas neurocardiogênicas são as mais relevantes. Iremos focar na de origem cardíaca, aquela mais grave, relacionada ao quadro apresentado pelo jogador. As outras duas serão abordadas posteriormente.
Vamos tentar entender o que ocorre no coração normal. Para que tenhamos o pleno funcionamento de todos os órgãos, inclusive do cérebro, precisamos que eles recebam suprimento adequado de sangue. Caso ocorra falha súbita deste abastecimento, o cérebro, que é o mais sensível dos órgãos, “apaga” e temos a síncope. O órgão responsável por fornecer este fluxo sanguíneo adequado é o coração. Para que ele bombeie adequadamente o sangue, precisa ter um estímulo elétrico ritmado. Dessa forma sua musculatura se contrai e ejeta o sangue com pressão suficiente. Então, percebemos que é essencial que o ritmo de estimulação elétrica do coração esteja perfeito para que seja efetivo.
Em uma pessoa normal, a frequência de batimentos cardíacos em repouso varia de 60 a 100, e pode apresentar alguma variação a depender da atividade ou do estado emocional do indivíduo. Quando isso não ocorre, temos as arritmias.
Elas podem ser benignas, sem gravidade, ou malignas, quando causam risco de morte. Diversas doenças cardíacas predispõem essas arritmias graves, como infarto do miocárdio, hipertrofia e enfermidades do músculo cardíaco, (doença de Chagas), entre outras.
Foi uma falha neste sistema elétrico que causou o problema do atleta dinamarquês. Por algum motivo não revelado, o coração do jogador entrou numa arritmia que disparou uma frequência cardíaca muito elevada – acima de 300 batimentos por minuto. Isto impediu que o coração conseguisse relaxar e se encher de sangue. Assim, suas contrações não foram efetivas. A pressão arterial despencou, o cérebro ficou sem perfusão sanguínea e ele desabou. Esta é a chamada “Morte Súbita” cardíaca.
A situação é rara nos campos de futebol e nas competições profissionais de outras categorias. Certamente é mais comum entre os amadores casos de síncope e morte súbita, porque os cuidados focados na saúde de profissionais do esporte podem diagnosticar alterações cardíacas que os predispõem a uma manifestação catastrófica. As arritmias malignas podem acontecer em qualquer pessoa, independente de condição socioeconômica, idade, se sedentária ou esportista. Porém, é muito mais frequente em cardiopatas e idosos. Segundo a SOBRAC – Sociedade Brasileira de Arritmia Cardíaca – é a causa de mais de 320.000 mortes todos os anos no Brasil.
O atendimento imediato é a única possibilidade de reverter a situação. As manobras de RCP devem ser imediatamente estabelecidas juntamente com o uso de um aparelho chamado DEA (desfibrilador externo automático), que é o recurso mais importante para seu tratamento.
O aparelho reconhece se a causa da parada cardiorrespiratória (PCR) é uma arritmia passível de ser interrompida com um choque e o dispara automaticamente caso haja necessidade. O sucesso na reversão da morte súbita é diretamente relacionado ao tempo de início de tratamento (RCP) e acionamento do DEA. Cada minuto de atraso, desde o momento da perda de consciência, reduz em 10% a chance de salvar o indivíduo. Após 6 minutos sem tratamento, o risco de morte cerebral é enorme. Uma Morte Súbita dificilmente será revertida se o tratamento se iniciar após o 10º minuto.
O que devemos saber
Qualquer um, mesmo aparentemente saudável e ativo, pode apresentar uma parada cardiorrespiratória. Um indivíduo encontrado sem consciência deve ser avaliado imediatamente. Chame a pessoa de forma vigorosa, se necessário tocando e a agitando. Se ela não expressar qualquer reação chame ajuda prontamente e inicie a RCP.
A grande maioria das mortes súbitas ocorre principalmente no domicílio, fora do hospital. Acione sem demora o serviço de emergência – 192 SAMU – caso isso aconteça.
Os procedimentos a serem iniciados no caso de uma PCR são as manobras de RCP – como ocorreu com o jogador Eriksen.
Não devemos interromper esse tratamento até a chegada de uma equipe especializada. Veja o vídeo abaixo:
Apesar de algumas críticas de especialistas quanto ao atendimento prestado ao atleta no dia 12 de junho durante o jogo, houve uma excelente evolução. Ele teve a oportunidade de se recuperar e foi tratado com a colocação de um Cardiodesfibrilador Implantável (CDI). O aparelho é semelhante a um marcapasso cardíaco, que passará a reconhecer de forma automática as eventuais arritmias futuras no coração de Eriksen e disparará um choque para interrompê-las. Provavelmente o atleta não terá mais condições de exercer o esporte de forma profissional. Mas certamente, em sua segunda chance de viver, ele encontrará grandes oportunidades e sua história ajudará muitas pessoas a se prepararem para situações semelhantes.
As três principais causas de demência que não são a Doença de Alzheimer
Você sabia que a Doença de Alzheimer é um tipo de demência mas não é a única causa de perda de memória e de outras funções cognitivas? Lendo esse texto, você vai descobrir outras que prejudicam as funções cerebrais superiores e será capaz de distinguir casos mais típicos.
O que é demência?
Para começarmos, quero que você entenda o significado de demência: o enfraquecimento lento e gradual de duas ou mais funções cognitivas (como memória, linguagem, habilidade visuoespacial e comportamento). Necessariamente, esse declínio causa prejuízo no funcionamento da pessoa nas suas atividades habituais.
Vamos ver um exemplo. Seu João tem 75 anos e está aposentado há 6. Os filhos notaram que, há 2 anos, vem se esquecendo onde coloca as coisas e está ficando cada vez mais repetitivo. Isso vem piorando aos poucos. Ele também se perdeu duas vezes enquanto andava pela vizinhança. Por esses deslizes, os filhos assumiram algumas tarefas que ele costumava a fazer, como ir ao banco e fazer compras.
Perceba que ele teve perdas de funções cognitivas e também da funcionalidade. Por esses motivos, podemos dar ao seu João o diagnóstico de demência.
Ao ler esse caso, você deve ter pensado: “ora… Isso é Alzheimer, não tem segredo!” E de modo geral você está certo, pois essa é a descrição do começo típico da Doença de Alzheimer. O que você pode não saber é que esse quadro de demência pode ser ocasionado por diversas doenças. De fato, a de Alzheimer é a causa mais comum, mas várias outras enfermidades podem levar ao mesmo resultado: a demência.
Demência Vascular
A segunda causa mais frequente de demência é a Vascular. Afeta uma pessoa a cada cinco pessoas. Problemas circulatórios do sistema nervoso podem causar o problema de várias maneiras.
Um deles é através de um acidente vascular cerebral (AVC). Do mesmo jeito que um AVC pode deixar uma pessoa com parte do corpo paralisada, também pode comprometer áreas do cérebro importantes para as funções da atenção, pensamento e memória. Quanto maior o AVC, maior a chance de causar demência. Em alguns pacientes, a cognição vai se deteriorando em degraus: a cada novo AVC, o funcionamento cognitivo vai piorando um pouco.
Alguns pacientes têm demência vascular mesmo sem ter nenhum AVC. São aqueles que têm hipertensão, diabetes, colesterol alto e outras doenças sistêmicas mal controladas. Ao longo de muitos anos, eles vão tendo as pontas dos vasos cerebrais lentamente corroídas por um processo chamado de microangiopatia. Para falar a verdade, ter um pouco de microangiopatia no cérebro não é necessariamente um problema, já que aparece na maioria das pessoas à medida que envelhecem. No entanto, quem tem doenças sistêmicas mal controladas ou com alto risco genético pode ter uma carga de lesão muito maior no cérebro.
Geralmente, os sintomas que a gente vê no começo da demência vascular são diferentes dos da Doença de Alzheimer. Enquanto o início da última é marcado por perda da memória recente, a Demência Vascular começa com lentidão de raciocínio, piora da atenção e desorganização. A progressão também é diferente. A Demência Vascular tende a evoluir muito mais lentamente, podendo até estacionar caso o paciente seja tratado adequadamente. Já a doença de Alzheimer evolui progressivamente sem pausa, mesmo com todo o tratamento.
Apesar de pouco divulgadas, existem várias doenças neurodegenerativas além da doença de Alzheimer. Quero destacar aqui outras duas mais frequentes, que podem causar alguma confusão nas pessoas: a doença com Corpúsculos de Lewy e a Demência Frontotemporal.
Doença com Corpúsculos de Lewy
A doença com Corpúsculos de Lewy (DCL) é a terceira causa mais frequente de demência. É mais comum em pessoas acima de 65 anos, que é a mesma população afetada pela Doença de Alzheimer. Uma curiosidade que vai te surpreender é que essa enfermidade é causada pela mesma patologia da Doença de Parkinson. Por isso, frequentemente os pacientes com DCL compartilham alguns dos sintomas, como a lentidão motora, a rigidez e o tremor.
Contudo, a DCL tem características bem próprias! Talvez a principal sejam as alucinações visuais complexas. É comum os pacientes contarem que enxergam animais ou pessoas. Muitas vezes conseguem discernir quem é a pessoa e o que ela está fazendo, mas não se sentem incomodados pela presença.
Por outro lado, delírios, que são pensamentos que distorcem a realidade, não costumam a aparecer. A memória do paciente com Lewy é geralmente menos afetada do que na Doença de Alzheimer, enquanto a atenção, capacidade de planejamento e a velocidade do raciocínio são mais prejudicadas no início do quadro.
O sono desses pacientes também é anormal. Eles têm um problema chamado de Transtorno Comportamental do Sono REM. Normalmente o/a parceiro/a de cama do/a paciente conta a mesma história: observa que ele/a se mexe enquanto dorme como se estivesse dentro do sonho. Por exemplo: se o paciente está pedalando no sonho, ele mexe as pernas no mundo real, se está lutando, dá socos no ar. Às vezes isso pode ser perigoso para o/a parceiro/a de cama, pois o/a paciente pode agredi-lo/a sem querer.
Demência Frontotemporal
A Demência Frontotemporal (DFT) é a quarta demência mais comum. Diferente das outras que conversamos aqui, a DFT costuma a ter o início mais precoce, entre os 55 e 65 anos. O marco principal para a diferenciarmos das demais é que aqui a primeira alteração que ocorre é no comportamento.
O quadro típico da DFT é uma pessoa que, aos poucos, começa a agir diferente do seu habitual. Por exemplo, passa a confiar inocentemente em estranhos na rua, fazer comentários desagradáveis, cair em golpes, fazer compras excessivas e desnecessárias. Muitas vezes os familiares levam o paciente para o psiquiatra, acreditando que tem uma doença mental, como o transtorno bipolar ou esquizofrenia. Um fato importante é que dificilmente uma pessoa sem histórico de problemas psiquiátricos abre o quadro depois dos 50 anos. Caso isso aconteça é necessário pensar nas demências, especialmente na DFT.
Com o tempo, essas alterações do comportamento se tornam mais dramáticas a ponto do indivíduo se tornar agressivo ou ter comportamentos tão inapropriados que causam muito estresse para as pessoas com quem convive. Invariavelmente, chega um momento em que o paciente se torna incapaz de executar suas atividades profissionais ou mesmo em casa.
Além do comportamento, pessoas com DFT se tornam mais apáticas, sem vontade de fazer as coisas, e deixam de participar de muitas de suas atividades habituais. Também vão perdendo a capacidade de ter empatia com os outros e podem decepcionar enormemente as pessoas queridas. Um exemplo é o paciente que ignora a dor causada pelo óbito de um parente próximo, ou a alegria causada pelo nascimento de uma criança.
O indivíduo com DFT também muda o seu hábito alimentar. Passa a ter preferência por alimentos doces e guloseimas, come de maneira voraz, e tem risco de ganhar peso. Finalmente, passa a apresentar comportamentos repetitivos, muito parecidos com o que observamos no transtorno obsessivo compulsivo. : A pessoa repete incontáveis vezes uma mesma sequência de atos, como abrir e fechar gavetas, bater com o pé no chão ou checar se fechou a porta.
Concluindo…
À medida que a população envelhece, vemos cada vez mais pessoas com demências diferentes da Doença de Alzheimer. Sendo capazes de entender as diferenças, poderemos desenhar tratamentos mais individualizados que facilitem o cuidado dos pacientes e diminuam o desgaste dos cuidadores. Ao ver uma pessoa com alguma dessas características, leve-a ao seu neurologista de confiança!