Infarto do coração em idosos – os sintomas são sempre os mesmos?
Mais um dia na rotina pesada de um Pronto Socorro. Dra. Clara, trabalhando mais de 10 anos naquele serviço, recebe um novo paciente, agora com uma queixa que não é clássica de nenhum quadro típico. O Sr. Benedicto, já com seus 81 anos, conta que acordou com uma sensação de estômago pesado e empachamento, que tem certeza de que foi devido ao almoço na casa do filho no dia anterior, em que tomou umas cervejas a mais. Durante a tarde passou bem, à noite fez um lanche leve com sua esposa já em sua casa, mas acordou desse jeito. Tomou um medicamento para gases, tentou provocar o vômito, mas nada! Aliás, depois dessa tentativa, acha que até ficou pior e teve uma crise de sudorese. Dona Maria, sua esposa, insistiu para que fosse ao PS, mas ele acha que precisa de um antiácido apenas. Dra. Clara perguntou e Sr. Benedicto comentou que achava os remédios para o colesterol e o diabetes que tomava estavam um pouco fortes. Afinal, o estômago estava mais sensível desde que havia sido ajustada sua prescrição na última visita ao seu médico.
O profissional que tem experiência em emergência sabe: nem tudo que parece, realmente é! Dra. Clara, já imaginando que o Sr. Benedicto poderia ter algo diferente do que ele acreditava, abriu uma linha de investigação mais ampla e o eletrocardiograma – o paciente não entendeu por que fazer este exame – que ela pediu evidenciou o que ele não esperava: estava sofrendo de um infarto do miocárdio!
Mas, afinal, isso é muito frequente?
Infelizmente isso é realmente frequente. Como se sabe, o sintoma clássico de infarto agudo do miocárdio é a dor no peito, tipo aperto ou opressão, que pode se irradiar para os braços, a mandíbula ou a “boca do estômago”. Palidez, sudorese, falta de ar podem acompanhar essa dor.
Estudos mostram que, em pessoas octogenárias, mais de 40% dos casos de infarto não apresentam o sintoma clássico de dor no peito, enquanto em pessoas com menosde 65 anos este número gira em torno de apenas 10%. Isso ocorre porque pessoas mais idosas apresentam condições clínicas que, além de confundir o diagnóstico com outras patologias, como de origem digestiva, respiratória ou osteomuscular, ainda podem apresentar mais frequentemente condições como diabetes mellitus ou depressão, que alteram a sensibilidade. Medicamentos utilizados para controle de dor ou depressão também causam mudanças na percepção da dor. Além disso, não podemos esquecer que a própria doença aterosclerótica, aquela que forma placas de gordura nas artérias, é mais comum em pessoas acima de 65 anos, facilitando a ocorrência de infarto.
Ocorre ainda que parte dos idosos talvez tenha algum distúrbio cognitivo (doença de Alzheimer, por exemplo). Desta forma, a interpretação do sintoma e sua comunicação ao profissional que está fazendo seu atendimento tornam-se imperfeitas, levando a erros diagnósticos.
Entre as manifestações que não são clássicas de infarto, devemos prestar mais atenção nestes sintomas em idosos:
- náuseas;
- palidez;
- sudorese excessiva;
- falta de ar;
- surgimento de confusão mental;
- diarreia;
- indisposição;
- ou até mesmo ausência de sintomas.
Quanto mais idoso o paciente, maior deve ser o cuidado para não deixarmos escapar este diagnóstico. Sabe-se que neste grupo de pessoas o tratamento adequado é essencial para a diminuição de sequelas, que são arritmias, insuficiência cardíaca e declínio de qualidade de vida.
Dra. Clara, ao fazer o diagnóstico, iniciou imediatamente o tratamento e encaminhou o Sr. Benedicto para o cateterismo no mesmo momento, afinal fazia poucas horas que os sintomas tinham começado. Tratada a artéria obstruída, com a implantação de um stent coronário, o paciente evoluiu sem alterações. Depois de uma curta estadia na UTI, foi para a enfermaria e recebeu alta após três dias, sem sequelas no coração. Decidiu fazer o tratamento rigorosamente, mas, por via das dúvidas, agora modera na quantidade de cerveja… Afinal, ainda acha que a culpa foi dela!
Sobre o autor:
Cardiologista e Emergencista do Corpo Clínico do Hospital Sírio-Libanês.
Pós - graduado em Geriatria pelo IEP – Hospital Sírio-Libanês. Gestor do Pronto Atendimento no Hospital Santa Cruz (2004 a 2009). Membro do comitê de ética do Hospital Sírio-Libanês (desde 2014).
Responsável técnico pela Clínica Barduco há 25 anos. Membro do Conselho Editorial da TREVOO (desde 2021).