Quem acompanha a Eurocopa da UEFA certamente ficou angustiado no último dia 12 de junho ao assistir um caso de síncope e morte súbita, quando aos 42 minutos do primeiro tempo do jogo entre Dinamarca e Finlândia o jogador dinamarquês Christian Eriksen foi de encontro à bola lançada e subitamente caiu de rosto ao chão, sem reação de defesa à queda. Seus companheiros rapidamente se agitaram, pediram atendimento médico e ficaram em torno do jogador, que permaneceu sem sentidos por minutos. Os médicos iniciaram manobras de ressuscitação cardiopulmonar (RCP) por trás de uma barreira que os seus colegas formaram para dar alguma privacidade ao atendimento e o atleta, após alguns minutos, foi retirado de campo em maca para ser encaminhado ao hospital.
Eriksen sofreu de Síncope e morte súbita
A perda súbita de consciência, chamada síncope, o popular “desmaio”, tem algumas causas. Alterações cardíacas, neurológicas e as chamadas neurocardiogênicas são as mais relevantes. Iremos focar na de origem cardíaca, aquela mais grave, relacionada ao quadro apresentado pelo jogador. As outras duas serão abordadas posteriormente.
Vamos tentar entender o que ocorre no coração normal. Para que tenhamos o pleno funcionamento de todos os órgãos, inclusive do cérebro, precisamos que eles recebam suprimento adequado de sangue. Caso ocorra falha súbita deste abastecimento, o cérebro, que é o mais sensível dos órgãos, “apaga” e temos a síncope. O órgão responsável por fornecer este fluxo sanguíneo adequado é o coração. Para que ele bombeie adequadamente o sangue, precisa ter um estímulo elétrico ritmado. Dessa forma sua musculatura se contrai e ejeta o sangue com pressão suficiente. Então, percebemos que é essencial que o ritmo de estimulação elétrica do coração esteja perfeito para que seja efetivo.
Em uma pessoa normal, a frequência de batimentos cardíacos em repouso varia de 60 a 100, e pode apresentar alguma variação a depender da atividade ou do estado emocional do indivíduo. Quando isso não ocorre, temos as arritmias.
Elas podem ser benignas, sem gravidade, ou malignas, quando causam risco de morte. Diversas doenças cardíacas predispõem essas arritmias graves, como infarto do miocárdio, hipertrofia e enfermidades do músculo cardíaco, (doença de Chagas), entre outras.
Foi uma falha neste sistema elétrico que causou o problema do atleta dinamarquês. Por algum motivo não revelado, o coração do jogador entrou numa arritmia que disparou uma frequência cardíaca muito elevada – acima de 300 batimentos por minuto. Isto impediu que o coração conseguisse relaxar e se encher de sangue. Assim, suas contrações não foram efetivas. A pressão arterial despencou, o cérebro ficou sem perfusão sanguínea e ele desabou. Esta é a chamada “Morte Súbita” cardíaca.
A situação é rara nos campos de futebol e nas competições profissionais de outras categorias. Certamente é mais comum entre os amadores casos de síncope e morte súbita, porque os cuidados focados na saúde de profissionais do esporte podem diagnosticar alterações cardíacas que os predispõem a uma manifestação catastrófica. As arritmias malignas podem acontecer em qualquer pessoa, independente de condição socioeconômica, idade, se sedentária ou esportista. Porém, é muito mais frequente em cardiopatas e idosos. Segundo a SOBRAC – Sociedade Brasileira de Arritmia Cardíaca – é a causa de mais de 320.000 mortes todos os anos no Brasil.
O atendimento imediato é a única possibilidade de reverter a situação. As manobras de RCP devem ser imediatamente estabelecidas juntamente com o uso de um aparelho chamado DEA (desfibrilador externo automático), que é o recurso mais importante para seu tratamento.
O aparelho reconhece se a causa da parada cardiorrespiratória (PCR) é uma arritmia passível de ser interrompida com um choque e o dispara automaticamente caso haja necessidade. O sucesso na reversão da morte súbita é diretamente relacionado ao tempo de início de tratamento (RCP) e acionamento do DEA. Cada minuto de atraso, desde o momento da perda de consciência, reduz em 10% a chance de salvar o indivíduo. Após 6 minutos sem tratamento, o risco de morte cerebral é enorme. Uma Morte Súbita dificilmente será revertida se o tratamento se iniciar após o 10º minuto.
O que devemos saber
- Qualquer um, mesmo aparentemente saudável e ativo, pode apresentar uma parada cardiorrespiratória. Um indivíduo encontrado sem consciência deve ser avaliado imediatamente. Chame a pessoa de forma vigorosa, se necessário tocando e a agitando. Se ela não expressar qualquer reação chame ajuda prontamente e inicie a RCP.
- A grande maioria das mortes súbitas ocorre principalmente no domicílio, fora do hospital. Acione sem demora o serviço de emergência – 192 SAMU – caso isso aconteça.
- Os procedimentos a serem iniciados no caso de uma PCR são as manobras de RCP – como ocorreu com o jogador Eriksen.
- Não devemos interromper esse tratamento até a chegada de uma equipe especializada. Veja o vídeo abaixo:
Apesar de algumas críticas de especialistas quanto ao atendimento prestado ao atleta no dia 12 de junho durante o jogo, houve uma excelente evolução. Ele teve a oportunidade de se recuperar e foi tratado com a colocação de um Cardiodesfibrilador Implantável (CDI). O aparelho é semelhante a um marcapasso cardíaco, que passará a reconhecer de forma automática as eventuais arritmias futuras no coração de Eriksen e disparará um choque para interrompê-las. Provavelmente o atleta não terá mais condições de exercer o esporte de forma profissional. Mas certamente, em sua segunda chance de viver, ele encontrará grandes oportunidades e sua história ajudará muitas pessoas a se prepararem para situações semelhantes.
Sobre o autor:
Cardiologista e Emergencista do Corpo Clínico do Hospital Sírio-Libanês.
Pós - graduado em Geriatria pelo IEP – Hospital Sírio-Libanês. Gestor do Pronto Atendimento no Hospital Santa Cruz (2004 a 2009). Membro do comitê de ética do Hospital Sírio-Libanês (desde 2014).
Responsável técnico pela Clínica Barduco há 25 anos. Membro do Conselho Editorial da TREVOO (desde 2021).