O texto a seguir tem o caráter meramente educativo e não é uma consulta médica. Caso você tenha dúvidas ou necessidade de tratamento é essencial que procure um médico ou um pronto atendimento de confiança.
Dor de cabeça (ou cefaleia) é a queixa mais comum na Neurologia. Praticamente todas as pessoas já tiveram dor de cabeça pelo menos uma vez na vida!
Por ela ser tão comum, várias vezes recebo no consultório ou no pronto-atendimento pessoas muito preocupadas que a dor seja causada por algo catastrófico.
Felizmente, na maioria das vezes não há qualquer causa grave por trás da dor de cabeça e ela pode ser tratada sem maiores problemas. Agora, você deve estar se perguntando: “como eu faço para saber se a minha dor de cabeça envolve maior ou de menor risco?” Essa é uma excelente pergunta e, graças a estudos bem consolidados na prática neurológica, já tem resposta!
As Bandeiras Vermelhas
Apesar das pessoas normalmente não se darem conta, dores de cabeça podem variar muito! Algumas características costumam aparecer nas cefaleias sem gravidade, enquanto outras acontecem mais em casos graves. É para esse segundo grupo que precisamos voltar a nossa atenção. Chamamos de bandeiras vermelhas! Caso você identifique uma ou mais dessas bandeiras, minha sugestão é que vá imediatamente a um pronto atendimento da sua confiança (ainda melhor se tiver neurologista) para que tenha logo uma avaliação médica.
Como são vários os sinais de bandeira vermelha, costumo dividir em três grupos para facilitar a memorização. O primeiro diz respeito às características da pessoa e ligadas aos problemas de saúde que ela já tem. Vamos chamar de bandeiras vermelhas da pessoa. O segundo grupo se refere às próprias características de dor de cabeça mais perigosas. Vamos chamar esse grupo de as bandeiras vermelhas da cefaleia. Para completar, o terceiro grupo são outras situações clínicas ou neurológicas que surgem junto da dor que vamos chamar de bandeiras vermelhas de sintomas associados.
Primeiro: Bandeiras vermelhas da pessoa
1. Início da dor após 50 anos
Um fato interessante que as pessoas não costumam conhecer é que a dor de cabeça acontece muito mais em jovens e tende a se tornar menos frequente com o passar dos anos. Quando identificamos uma dor de cabeça nova em uma pessoa com mais de 50 anos (ou seja, que ela nunca teve antes) precisamos ligar o alerta, pois sabemos que causas graves têm maior chance de acontecer nesses casos.
2. Cefaleia após Trauma craniano
A dor de cabeça é comum após o traumatismo craniano e geralmente vem ligada ao trauma em si. No entanto, como todas as outras lesões traumáticas, esperamos que ela diminua ao longo dos dias após ao evento. Caso isso não aconteça ou a dor piore, devemos procurar ajuda, especialmente se a pessoa estiver com alteração do nível de consciência, para afastar problemas mais sérios, como o surgimento de hematomas intracranianos.
3. História de câncer
Somente o fato de a pessoa ter uma história de câncer (mesmo que tratado e curado) demanda maior atenção. O tumor cerebral mais comum é o metastático. Uma pessoa com histórico de câncer deve redobrar a atenção para as características da dor de cabeça e ter uma maior prontidão para procurar atendimento médico do que uma pessoa comum.
4. Pessoa imunosuprimida
De modo geral, pessoas imunosuprimidas estão em maior risco de ter complicações neurológicas, especialmente infecciosas, como meningites, abscessos cerebrais, toxoplasmose, entre outras. Quando falamos em imunossupressão, nos referimos a situações que claramente reduzam a imunidade, como uso de medicamentos imunossupressores, como azatioprina, micofenolatomofetil e os imunobiológicos, que são usados nas doenças autoimunes. Também pessoas que foram transplantadas devem ficar atentas para as suas dores de cabeça. Finalmente deve chamar a atenção, o HIV, especialmente nos casos em que o nível de CD4 está muito baixo (que acontece quando a doença não está controlada).
5. Gravidez ou pós-parto
A dor de cabeça na gestação também deve ser vista com atenção, visto que nessa fase há também uma redução da resposta imune da gestante e pode haver um risco aumentado de tromboses (incluindo a trombose cerebral).
Segundo: Bandeiras vermelhas da cefaleia
1. Início abrupto
As dores de cabeça mais comuns e menos graves habitualmente começam fracas e vão aumentando lentamente ao longo do dia, podendo até se tornar fortes e prejudicar a pessoa nas suas atividades habituais. Existem casos, porém, em que a pessoa está absolutamente sem dor ou com uma dor muito fraca e, subitamente, ela se torna muito forte, às vezes a pior da vida do paciente. Alguns descrevem como se um trovão tivesse caído na cabeça. Por esse motivo, chamamos esse tipo de apresentação de cefaleia em trovoada (ou thunderclap). A característica comum desse tipo de dor é como se uma pontada muito forte atingisse a cabeça ou o pescoço. Se uma dor desse tipo acontecer com você, pare imediatamente o que está fazendo e vá para o pronto atendimento mais próximo. Esse é talvez o padrão de dor mais sugestivo de causas graves para a dor de cabeça. Nessas horas uma atuação médica rápida pode ser literalmente a diferença entre a vida e a morte!
2. Dor de cabeça inédita ou novo padrão
Virtualmente todas as pessoas já tiveram ou terão algum tipo de dor de cabeça. Ter uma dor de cabeça que se repita com as mesmas características de tempos em tempos pode acontecer e é um fator de menor gravidade. Entretanto, deve-se tomar cuidado quando o padrão da dor se modifica em relação ao habitual. Nesses casos a melhor coisa a ser feita é ir ao hospital para investigar.
Uma segunda situação comum é quando a pessoa tem a cefaleia pela primeira vez. Muitas vezes a dor tem características benignas, mas de modo geral, mesmo assim, vale a pena uma primeira investigação no pronto atendimento para afastar as causas graves.
3. Dor de cabeça posicional
A dor de cabeça que piora quando a pessoa muda de posição pode representar um sinal de alarme. A mudança de posição pode ser tanto da posição deitado ou sentado para em pé como o inverso. Podem representar um problema mais grave como hipertensão ou hipotensão intracraniana e precisam ser investigadas melhor. Cabe aqui a ressalva de que a dor deve claramente piorar com mudança de posição para despertar maiores suspeitas.
4. Causada por espirro, tosse, exercício ou sexo
Na mesma linha da dor de cabeça que piora quando a pessoa deita, uma cefaleia que se inicia em uma dessas situações pode estar ligada a aumento da pressão intracraniana e deve ser melhor investigada. Isso porque essas situações causam um aumento na pressão no abdome e, em consequência, no sistema nervoso central. Em situações normais, não há nenhum problema em espirrar ou na atividade sexual, pois o cérebro tem uma boa capacidade de adaptação, mas em pessoas que tem uma pressão intracraniana mais alta, podem ser suficientes para causar uma dor de cabeça mais forte. Caso uma dessas atividades cause uma cefaleia forte e de início agudo, a urgência para procurar o pronto atendimento deve ser ainda maior.
5. Dor de cabeça progressiva
Outro problema que chama atenção é quando a pessoa tem uma dor de cabeça que piora progressivamente. O que mais preocupa é quando a progressão é aguda (em poucos dias) ou subaguda (em poucas semanas) e essas situações devem ser analisadas cuidadosamente pelo neurologista no pronto-socorro. No entanto, mesmo a dor que progride cronicamente (ao longo de meses) merece atenção especializada, mas isso pode ser feito no consultório.
6. Cefaleia muito intensa
Um fato que pode parecer óbvio, mas que chama atenção do médico no pronto atendimento é quando o paciente fala que a cefaleia é a pior da vida ou mais forte do que o habitual. De modo geral esse fator por si só já leva a pessoa ao pronto atendimento para tratamento rápido da dor, mas também é muito relevante e requer investigação de possíveis causas.
Terceiro: Bandeiras vermelhas dos sintomas associados
1. Alteração neurológica – sonolência, confusão mental, perda de funções
Além da dor de cabeça, que também é um sintoma neurológico, outras queixas neurológicas surgindo junto ou próximas a dor de cabeça são sinais de alarme. Pode parecer meio óbvio que alguém que tem uma dor de cabeça e perda de força em um lado no corpo deve ir ao pronto-socorro, mas outros sintomas são menos óbvios. Por exemplo: a sonolência excessiva é relativamente comum na população geral, mas caso ela surja no contexto de uma dor de cabeça nova, deve ser vista como um fator de alarme. Confusão mental também é outro sinal de alarme quando vem junto com dor de cabeça. É muito comum que idosos entrem em estado confusional agudo quando têm uma infecção, mas também várias outras causas de confusão podem se associar à cefaléia.
2. Sintomas sistêmicos – febre, rigidez de nuca, dor no peito, perda de peso
Sintomas do restante do organismo também são um marcador de possível gravidade da dor de cabeça. Febre, especialmente quando não encontramos nenhum outro foco para a infecção pode sugerir um diagnóstico de meningite, especialmente se o paciente também tem rigidez de nuca. Se, além disso, ainda a pessoa tem outros marcadores de gravidade, como confusão mental ou sonolência, está armado o teatro para um quadro neurológico mais sério.
Dor no peito pode acontecer junto com a dor de cabeça e pode sugerir tanto causas graves de dor de cabeça, como também o temido infarto agudo do miocárdio. Só lembrando, dor no peito, por si só indica que a pessoa vá imediatamente ao Pronto Atendimento para avaliação de um possível infarto.
Outro item que chama atenção para a dor de cabeça é perda de peso importante nos últimos meses. Quando digo importante, me refiro a uma perda de acima de 5 a 10% por cento do peso em alguém que não tem essa intenção (que não está comendo menos e que não fez cirurgia bariátrica recente).
3. Olho doloroso com sintomas autonômicos
Finalmente, sintomas oculares agudos, como olho doloroso e vermelho, alteração visual aguda ou lacrimejamento excessivo que vêm juntos com uma dor de cabeça devem ser vistos como um sinal de alarme e investigados no pronto atendimento em conjunto com um oftalmologista. Glaucoma é um dos diferenciais que devem ser feitos e caso exista, deve ser tratado rapidamente. Só um detalhe: óculos mal ajustados não costumam causar nada além de uma cefaleia leve.
Referências
- Wootton RJ, Wippold II FJ. Evaluation of Headache in Adults. UpToDate – Headache
- Chou DE. SecondaryHeadacheSyndromes. Continuum (2018); 24 (4), p. 1179-1191
Sobre o autor:
Médico do Hospital Sírio-Libanês, Professor do grupo Estratégia Med,
Doutorando em Neurologia HC-FMUSP. Especializado em Neurologia
Cognitiva e do Comportamento pelo HC-FMUSP. Residência Médica em
Neurologia pelo Hospital de Clínicas da UFPR e colunista do Portal Trevoo.
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