As três principais causas de demência que não são a Doença de Alzheimer
Você sabia que a Doença de Alzheimer é um tipo de demência mas não é a única causa de perda de memória e de outras funções cognitivas? Lendo esse texto, você vai descobrir outras que prejudicam as funções cerebrais superiores e será capaz de distinguir casos mais típicos.
O que é demência?
Para começarmos, quero que você entenda o significado de demência: o enfraquecimento lento e gradual de duas ou mais funções cognitivas (como memória, linguagem, habilidade visuoespacial e comportamento). Necessariamente, esse declínio causa prejuízo no funcionamento da pessoa nas suas atividades habituais.
Vamos ver um exemplo. Seu João tem 75 anos e está aposentado há 6. Os filhos notaram que, há 2 anos, vem se esquecendo onde coloca as coisas e está ficando cada vez mais repetitivo. Isso vem piorando aos poucos. Ele também se perdeu duas vezes enquanto andava pela vizinhança. Por esses deslizes, os filhos assumiram algumas tarefas que ele costumava a fazer, como ir ao banco e fazer compras.
Perceba que ele teve perdas de funções cognitivas e também da funcionalidade. Por esses motivos, podemos dar ao seu João o diagnóstico de demência.
Ao ler esse caso, você deve ter pensado: “ora… Isso é Alzheimer, não tem segredo!” E de modo geral você está certo, pois essa é a descrição do começo típico da Doença de Alzheimer. O que você pode não saber é que esse quadro de demência pode ser ocasionado por diversas doenças. De fato, a de Alzheimer é a causa mais comum, mas várias outras enfermidades podem levar ao mesmo resultado: a demência.
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Demência Vascular
A segunda causa mais frequente de demência é a Vascular. Afeta uma pessoa a cada cinco pessoas. Problemas circulatórios do sistema nervoso podem causar o problema de várias maneiras.
Um deles é através de um acidente vascular cerebral (AVC). Do mesmo jeito que um AVC pode deixar uma pessoa com parte do corpo paralisada, também pode comprometer áreas do cérebro importantes para as funções da atenção, pensamento e memória. Quanto maior o AVC, maior a chance de causar demência. Em alguns pacientes, a cognição vai se deteriorando em degraus: a cada novo AVC, o funcionamento cognitivo vai piorando um pouco.
Alguns pacientes têm demência vascular mesmo sem ter nenhum AVC. São aqueles que têm hipertensão, diabetes, colesterol alto e outras doenças sistêmicas mal controladas. Ao longo de muitos anos, eles vão tendo as pontas dos vasos cerebrais lentamente corroídas por um processo chamado de microangiopatia. Para falar a verdade, ter um pouco de microangiopatia no cérebro não é necessariamente um problema, já que aparece na maioria das pessoas à medida que envelhecem. No entanto, quem tem doenças sistêmicas mal controladas ou com alto risco genético pode ter uma carga de lesão muito maior no cérebro.
Geralmente, os sintomas que a gente vê no começo da demência vascular são diferentes dos da Doença de Alzheimer. Enquanto o início da última é marcado por perda da memória recente, a Demência Vascular começa com lentidão de raciocínio, piora da atenção e desorganização. A progressão também é diferente. A Demência Vascular tende a evoluir muito mais lentamente, podendo até estacionar caso o paciente seja tratado adequadamente. Já a doença de Alzheimer evolui progressivamente sem pausa, mesmo com todo o tratamento.
Apesar de pouco divulgadas, existem várias doenças neurodegenerativas além da doença de Alzheimer. Quero destacar aqui outras duas mais frequentes, que podem causar alguma confusão nas pessoas: a doença com Corpúsculos de Lewy e a Demência Frontotemporal.
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Doença com Corpúsculos de Lewy
A doença com Corpúsculos de Lewy (DCL) é a terceira causa mais frequente de demência. É mais comum em pessoas acima de 65 anos, que é a mesma população afetada pela Doença de Alzheimer. Uma curiosidade que vai te surpreender é que essa enfermidade é causada pela mesma patologia da Doença de Parkinson. Por isso, frequentemente os pacientes com DCL compartilham alguns dos sintomas, como a lentidão motora, a rigidez e o tremor.
Contudo, a DCL tem características bem próprias! Talvez a principal sejam as alucinações visuais complexas. É comum os pacientes contarem que enxergam animais ou pessoas. Muitas vezes conseguem discernir quem é a pessoa e o que ela está fazendo, mas não se sentem incomodados pela presença.
Por outro lado, delírios, que são pensamentos que distorcem a realidade, não costumam a aparecer. A memória do paciente com Lewy é geralmente menos afetada do que na Doença de Alzheimer, enquanto a atenção, capacidade de planejamento e a velocidade do raciocínio são mais prejudicadas no início do quadro.
O sono desses pacientes também é anormal. Eles têm um problema chamado de Transtorno Comportamental do Sono REM. Normalmente o/a parceiro/a de cama do/a paciente conta a mesma história: observa que ele/a se mexe enquanto dorme como se estivesse dentro do sonho. Por exemplo: se o paciente está pedalando no sonho, ele mexe as pernas no mundo real, se está lutando, dá socos no ar. Às vezes isso pode ser perigoso para o/a parceiro/a de cama, pois o/a paciente pode agredi-lo/a sem querer.
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Demência Frontotemporal
A Demência Frontotemporal (DFT) é a quarta demência mais comum. Diferente das outras que conversamos aqui, a DFT costuma a ter o início mais precoce, entre os 55 e 65 anos. O marco principal para a diferenciarmos das demais é que aqui a primeira alteração que ocorre é no comportamento.
O quadro típico da DFT é uma pessoa que, aos poucos, começa a agir diferente do seu habitual. Por exemplo, passa a confiar inocentemente em estranhos na rua, fazer comentários desagradáveis, cair em golpes, fazer compras excessivas e desnecessárias. Muitas vezes os familiares levam o paciente para o psiquiatra, acreditando que tem uma doença mental, como o transtorno bipolar ou esquizofrenia. Um fato importante é que dificilmente uma pessoa sem histórico de problemas psiquiátricos abre o quadro depois dos 50 anos. Caso isso aconteça é necessário pensar nas demências, especialmente na DFT.
Com o tempo, essas alterações do comportamento se tornam mais dramáticas a ponto do indivíduo se tornar agressivo ou ter comportamentos tão inapropriados que causam muito estresse para as pessoas com quem convive. Invariavelmente, chega um momento em que o paciente se torna incapaz de executar suas atividades profissionais ou mesmo em casa.
Além do comportamento, pessoas com DFT se tornam mais apáticas, sem vontade de fazer as coisas, e deixam de participar de muitas de suas atividades habituais. Também vão perdendo a capacidade de ter empatia com os outros e podem decepcionar enormemente as pessoas queridas. Um exemplo é o paciente que ignora a dor causada pelo óbito de um parente próximo, ou a alegria causada pelo nascimento de uma criança.
O indivíduo com DFT também muda o seu hábito alimentar. Passa a ter preferência por alimentos doces e guloseimas, come de maneira voraz, e tem risco de ganhar peso. Finalmente, passa a apresentar comportamentos repetitivos, muito parecidos com o que observamos no transtorno obsessivo compulsivo. : A pessoa repete incontáveis vezes uma mesma sequência de atos, como abrir e fechar gavetas, bater com o pé no chão ou checar se fechou a porta.
Concluindo…
À medida que a população envelhece, vemos cada vez mais pessoas com demências diferentes da Doença de Alzheimer. Sendo capazes de entender as diferenças, poderemos desenhar tratamentos mais individualizados que facilitem o cuidado dos pacientes e diminuam o desgaste dos cuidadores. Ao ver uma pessoa com alguma dessas características, leve-a ao seu neurologista de confiança!
Sobre o autor:
Médico do Hospital Sírio-Libanês, Professor do grupo Estratégia Med,
Doutorando em Neurologia HC-FMUSP. Especializado em Neurologia
Cognitiva e do Comportamento pelo HC-FMUSP. Residência Médica em
Neurologia pelo Hospital de Clínicas da UFPR e colunista do Portal Trevoo.
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