Memória: a importância das reminiscências. Para as nossas vidas.

Várias palavras orbitam no termo memória: recordar, lembrar e relembrar, rememorar, memorizar, registrar, evocar, reviver, dentre outras. Mas a despeito das diferenças e semelhanças entre elas, há um ponto comum em seu conteúdo – o passado – composto por pessoas, lugares, vivências e histórias que adentraram o presente por muitas vias diferentes:

  • uma imagem
  • uma cena
  • um cheiro
  • um som
  • um sabor
  • um toque…

No sentido concreto, um álbum de fotografias, objetos de viagem, uma canção e seu aparelho – um rádio, um toca-discos, uma vestimenta e seu bordado ou, até mesmo, uma cristaleira repleta de louças que contam histórias-memórias.

Temos aqui um ponto claro: as memórias são despertadas por diferentes estímulos e toda a sorte de conteúdos registrados podem ser percebidos com a consciência do presente.

O que são reminiscências?

São memórias, lembranças, àquilo que se conserva na memória.

De acordo com Platão, memórias que, quando retomada pela consciência, pode ser a base de toda sabedoria ou do conhecimento humano.

Com o passar dos anos, as pessoas vão registrando fatos de toda a natureza na memória. Aquilo que viu, ouviu, sentiu, fez e viveu. Isto quer dizer que, quanto mais avançam em idade, mais histórias têm guardadas em seus “livros íntimos”.

Essas lembranças, se não foram contadas e registradas, serão perdidas, causando enorme prejuízo às gerações futuras. Por essa capacidade de armazenar fatos e pela capacidade de relembrar os eventos do passado com mais frequência, os idosos podem dar uma enorme contribuição à sociedade.

O registro das histórias da vida é um meio de construir a nossa cultura (Souza, 1999)

Relembrar e refletir

O trabalho de rememorar desperta a curiosidade (e encantamento) por tamanha conexão que desprende e encerra. Por tamanha energia que burila e faz agitar. Rememorar concretiza o já dito por Galeano “RECORDAR: Do latim re-cordis, voltar a passar pelo coração…”. Mas desta vez, com os olhos do presente, tendo as lembranças repousadas sobre um pano de fundo já tecido e vivido que toma nova forma e se ressignifica.

Quem não se emociona com a letra da música “O Portão” de Roberto Carlos?

… fui abrindo a porta devagar, mas deixei a luz entrar primeiro, todo o meu passado iluminei, e entrei” …

Ou ainda ouvindo o canto de lamento de Dido, na “Ópera Dido & Aeneas” de Henry Purcell:

Remember-me, Remember-me” (lembre-se de mim) cantada com todo sentimento?

De acordo com Coleman e colaboradores (1994) relembrar e refletir sobre o passado é um importante exercício de autoconhecimento. Esta prática pode contribuir para fortalecer ou restituir o senso de identidade e autoestima. Rememorar traz para o presente as situações do passado, oferecendo uma oportunidade reelaborá-las. No entanto, é importante cuidar para que as lembranças tenham como função maior justapor o passado, o presente e o futuro e recuperar seu universo público.

Deve-se evitar que as reminiscências se tornem uma jornada melancólica e sentimental, uma evocação nostálgica ou uma fuga do presente, que incentiva o narrador a ficar preso no passado.

Quem nunca ouviu a célebre frase “…no meu tempo é que era bom! Agora nada mais vale a pena” …

Perseverar sobre determinadas situações do passado, especialmente sobre experiências negativas e sem solução, pode aumentar o sofrimento. Esse processo é chamado de ruminação, e definitivamente não é benéfico.

Contudo, nem todas as lembranças são boas e nem todos gostam de relembrar e jogar a luz no vivido e na experiência passada. E temos que reconhecer que as formas com que as pessoas lidam com suas vidas e suas memórias devem ser respeitadas.

Alguns destaques sobre a memória me cumprem fazer!

Recordar tem a ver com a nossa memória como sujeitos e nos dão identidade, e desta forma, precisam encontrar seu espaço no cotidiano. O narrador precisa de um ouvinte atento e capaz de ouvir com interesse as muitas histórias que os idosos têm para contar, mesmo que estas sejam repetidas.

Muitas perguntas podem ser feitas neste diálogo trazendo elementos interessantes para a conversa dando uma nova roupagem. Toda lembrança deve ser respeitada. Nem todo mundo gosta de ficar contando histórias.

Recordar é tornar a passar pelo coração, hoje. Só por isso já vale a pena!!!

Referências

  • Souza, Elza Maria de. Reminiscências integrando gerações: a arte de compartilhar memórias – Petrópolis, RJ: Vozes, 1999.

  • Coleman, PG. Reminiscence within the study of ageing: the social significance of story. In: Bornat, J. Reminiscence rewiwed: perspectives, evaluations, achievements. Buckingham, Open University Press, 1994.

Sobre o autor:

Dra. Carla Silva
+ artigos

Doutorado em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (2001). Mestrado em Educação pela Universidade Metodista de Piracicaba -UNIMEP (1996). Pós- Doutorado pelo Oxford Institute of Population Ageing / Universidade de Oxford (UK) (2012). Docente da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – USP. Conselheira membro da sociedade civil – representante da Universidade de São Paulo Presidente Gestão 2018-2020. Presidente da Sociedade Brasileira de Gerontecnologia - SBGTEC. Membro do Conselho Editorial da TREVOO (desde 2021).

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